Ouça as palavras da grande mãe, que, em tempos idos, era chamada de Ártemis, Dione, Melusina, Afrodite, Ceridwen, Diana, Arionrhod, Brígida e por muitos outros nomes:
“ Quando necessitar de alguma coisa, uma vez no mês, e é melhor que seja quando a lua estiver cheira, deverá reunir-se em algum local secreto e adorar o meu espírito que é a rainha de todos os sábios. Você estará livre da escravidão e, como um sinal de sua liberdade, apresentar-se-á nu em seus ritos. Cante, festeje, dance, faça música e amor, todos em minha presença, pois meu é o êxtase do espírito e minha também é a alegria sobre a terra. Pois minha lei é a do amor para todos os seres. Meu é o segredo que abre a porta da juventude e minha é a taça do vinho da vida, que é o caldeirão de Ceridwen, que é o gral sagrado da imortalidade. Eu concedo a sabedoria do espírito eterno e, além da morte, dou a paz e a liberdade e o reencontro com aqueles que se foram antes. Nem tampouco exijo algum tipo de sacrifício, pois saiba, eu sou a mãe de todas as coisas e meu amor é derramado sobre a terra.”
Atente para as palavras da deusa estelar, o pó de cujos pés abrigam-se o sol, a lua, as estrelas, os anjos, e cujo corpo envolve o universo:
“ Eu que sou a beleza da terra verde e da lua branca entre as estrelas e os mistérios da água, invoco seu espírito para que desperte e venha até a mim. Pois eu sou o espírito da natureza que dá vida ao universo. De mim todas as coisas vêm e para mim todas devem retornar. Que a adoração a mim esteja no coração que rejubila, pois, saiba, todos os atos de amor e prazer são meus rituais. Que haja beleza e força, poder e compaixão, honra e humildade, júbilo e reverência, dentro de você. E você que busca conhecer-me, saiba que a sua procura e ânsia serão em vão, a menos que você conheça o mistério: pois se aquilo que busca, não se encontrar dentro de você, nunca o achará fora de si. Saiba, pois, eu estou com você desde o início dos tempos, e eu sou aquela que é alcançada ao fim do desejo.”
O simbolismo da Deusa tem assumido um poder eletrizante para as mulheres modernas. A redescoberta de uma antiga civilização femeocentrada trouxe profundo sentido de orgulho na capacidade de a mulher criar e sustentar uma cultura. Ela expôs as falsidades da história patriarcal e propiciou modelos de força e autoridade femininas. Novamente, no mundo atual, reconhecemos a Deusa, antiga e primitiva: a primeira das deidades; padroeira da Idade da Pedra e suas caçadas e dos primeiros semeadores; sob cuja orientação os rebanhos foram domesticados, as ervas curativas logo descobertas; a partir de cuja imagem as primeiras obras de arte foram criadas; para quem as pedras foram levantadas; que era a inspiração para canções e poesia. Ela é a ponte, pela qual podemos cruzar os abismos dentro de nós mesmos, que foram criados pelo condicionamento social, e nos colocar em contato, novamente, com os nossos potenciais perdidos. Ela é o navio, no qual navegamos nas águas do self profundo, explorando os mares desconhecidos dentro de nós. Ela é a porta, através da qual passamos para o futuro. Ela é o caldeirão, no qual, os que fomos puxados de um lado para outro, podemos cozinhar em fogo brando, até que sejamos novamente um todo. Ela é a passagem vaginal, através da qual renascemos.
Uma análise comparativa geral, histórica e/ou cultural, da deusa e de seus símbolos exigiria, por si só, vários volumes e eu não farei tal tentativa no espaço limitado deste livro, tendo em vista, especialmente, que muito material de boa qualidade já é disponível.2 Pelo contrário, limitar-me-ei a debater a deusa como é vista na Feitiçaria e concentrar-me em sua função e significado para as mulheres e homens da atualidade.
As pessoas, com freqüência, perguntam-me se eu acredito na Deusa. Eu respondo: “Você acredita em pedras?” É extremamente difícil, para a maioria dos ocidentais, captar o conceito de uma deidade manifesta. A frase “acreditar em” implica que não podemos conhecer a Deusa, que ela é, de alguma maneira, inalcançável, incompreensível. Mas, nós não acreditamos em pedras, podemos vê-las, tocá-las, cavá-las de nosso jardim ou impedir que crianças atirem-nas umas nas outras. Nós as conhecemos; ligamo-nos a elas! Na Arte, não acreditamos na Deusa: ligamo-nos a Ela, através da lua, das estrelas, do mar, da terra, das árvores, animais e outros seres humanos, através de nós mesmos. Ela está aqui. Ela está dentro de todos nós. Ela é o círculo pleno: terra, ar, fogo, água e essência; corpo, mente, espírito, emoções, transformações.
A Deusa é a primeira em toda a terra, o mistério, a mãe que alimenta e dá toda a vida. Ela é o poder da fertilidade e geração; o útero e também a sepultura que recebe, o poder da morte. Tudo vem dela, tudo retorna para ela. Sendo terra, também é a vida vegetal; as árvores, as ervas e os grãos que sustentam a vida. Ela é o corpo e o corpo é sagrado. Útero, seios, barriga, boca, vagina, pênis, osso e sangue; nenhuma parte do corpo é impura, nenhum aspecto dos processos vitais é maculado por qualquer conceito de pecado. Nascimento, morte e decadência, são partes igualmente sagradas do ciclo. Se estamos comendo, dormindo, fazendo amor ou eliminando excessos do corpo, estamos manifestando a deusa.
A Deusa da Terra é também o ar e o céu, a celestial Rainha do Céu, A Deusa Estelar, regente de todas as coisas sensíveis mas invisíveis: do conhecimento, da mente e da intuição. Ela é a musa, que desperta todas as criações do espírito humano. Ela é a amante cósmica, a estrela da manhã e do entardecer, Vênus que surge nos momentos de amor. Bela e irradiante, ela jamais pode ser dominada ou penetrada; a mente é conduzida cada vez mais adiante na ânsia de conhecer o desconhecido, de falar o inexprimível. Ela é a inspiração que vem no momento da introspecção.
A Deusa Celestial é vista como a lua, que está associada aos ciclos mensais de sangramento e fertilidade das mulheres. A mulher é a lua terrena; a lua é o ovo celestial, vagando no útero do céu, cujo sangue menstrual é a chuva que fertiliza e o orvalho que refresca; aquela que governa as marés dos oceanos, o primeiro ventre da vida na terra. Portanto, a lua é também a Senhora das Águas: das ondas do mar, correntes, nascentes, dos rios que são as artérias da Mãe Terra; dos lagos, poços profundos e lagoas escondidas, dos sentimentos e emoções, que nos tomam como ondas do mar.
A Deusa da Lua possui três aspectos: crescente é a donzela; cheia, é a Mãe; minguante, é a anciã. Parte do treinamento de cada iniciado implica períodos de meditação sobre a Deusa em seus vários aspectos. Não disponho de espaço para incluir todos eles, mas exemplificarei aqui com as meditações dos três aspectos da lua:
A tríade da lua transforma-se na estrela quíntupla do nascimento, iniciação, amor, paz e morte. A Deusa manifesta-se no ciclo total da vida. As mulheres são valorizadas e respeitadas na idade avançada, assim como na juventude.
Nascimento e infância, obviamente, são comuns a todas as culturas. Mas, até muito recentemente, nossa sociedade não conceituou o estágio da iniciação, da exploração pessoal e autodescoberta, como sendo necessário para as mulheres. Esperava-se que as meninas passassem diretamente da infância para o casamento e maternidade, do controle de seus pais para o controle de seus maridos. Uma iniciação exige coragem e autoconfiança, características que as meninas não eram estimuladas a desenvolver. Atualmente, o estágio de iniciação pode implicar em estabelecimento de uma carreira, na exploração de relacionamentos ou no desenvolvimento de nossa própria criatividade. Mulheres que pularam esse estágio em suas juventudes, com freqüência acham necessário retornar a ele mais adiante. Os estágios posteriores da vida só podem ser plenamente vividos após a completitude da iniciação e da formação de um self individualizado.
O estágio do amor também é chamado de consumação e é o estágio da criatividade plena. Relacionamentos se aprofundam e ocorrem como um ato de entrega. Uma mulher pode escolher ser mãe ou cuidar de uma carreira, um projeto ou uma causa. Um artista ou escritor atinge seu estilo maduro.
Criações, independentemente de serem crianças, poemas ou organizações, assumem vida própria. À medida que se tornam autônomas e as exigências diminuem, o estágio de tranqüilidade é alcançado. Com a idade vem uma nova iniciação, reflexiva, menos ativa fisicamente porém mais profunda devido aos insights da experiência. A idade avançada, em Feitiçaria, é visto muito positivamente, como o tempo em que a atividade evolui para a sabedoria. Esta conduz à iniciação final, que é a morte.
Esses cinco estágios estão incorporados a nossas vidas, mas também podem ser percebidos em cada novo empreendimento ou projeto criativo. Cada livro, cada pintura, cada novo trabalho nasce como idéia. Ela é submetida a um período iniciatório de exploração que, às vezes, é assustador, pois somos obrigados a aprender coisas novas. À medida que nos sentimos confortáveis diante de uma nova habilidade ou conceito, o projeto pode ser consumado. Ele existe independentemente; enquanto o deixamos em suspenso, outras pessoas podem ler o livro, apreciar o quadro, saborear a comida ou aplicar o conhecimento que ensinamos. Finalmente, ele termina; ele morre e nós passamos para algo novo.
O pentagrama, todas as folhas de cinco lóbulos e flores de cinco pétalas são sagrados para a Deusa como uma estrela quíntupla. A maçã é especialmente seu emblema, pois quando é partida no sentido de uma cruz, suas sementes formam um pentagrama.
A natureza da Deusa jamais é uma coisa só. Onde quer que ela apareça, corporifica ambos os pólos da dualidade – vida na morte, morte na vida. Ela possui mil nomes, mil aspectos. Ela é a vaca leiteira, a aranha que tece, a abelha com penetrante picada. Ela é o pássaro do espírito e a porca que come o próprio filhote. A cobra que troca sua pele e se renova; o gato que enxerga no escuro; o cão que uiva para a lua. Ela é todos. Ela é a luz e a escuridão, a padroeira do amor e da morte, que manifesta todas as possibilidades. Ela tanto traz conforto quanto dor.
É mais fácil responder ao conceito da Deusa enquanto musa ou mãe, inspiração, alimento e poder curativo. É mais difícil compreender a Deusa como destruidora. A dualidade judeu-cristã condicionou-nos a pensar sobre a destruição como sinônimo do mal. (Apesar de que, a Deusa sabe, o Jeová do Antigo Testamento estava longe de ser suave e arauto da luz.) A maioria de nós vive afastada da natureza, isolada das experiências que constantemente lembram às pessoas mais “primitivas” que todo ato de criação é um ato de agressão. Para plantar um jardim, você deve retirar as ervas daninhas, eliminar as lesmas, podar as plantas à medida que se esticam em direção à luz.
Para escrever um livro, você deve destruir rascunho após rascunho de seu próprio trabalho, dividindo parágrafos e retirando palavras das frases. A criação postula transformação; qualquer mudança destrói aquilo que veio antes.
A criadora-destruidora manifesta-se no fogo, que destrói tudo aquilo que o alimenta a fim de produzir calor e luz. Fogo é a lareira aconchegante, o fogo criativo da forja, a alegre fogueira da celebração. Mas a deusa é também o fogo furioso da ira.
O poder da ira é difícil de ser encarado. Identificamos a ira com violência e as mulheres foram condicionadas a sentir que sua raiva é errada e inaceitável. No entanto, a raiva é uma manifestação de força vital. É uma emoção de sobrevivência, um sinal de alerta de que algo em nosso ambiente é ameaçador. O perigo desencadeia uma resposta física, psíquica e emocional, que mobiliza nossa energia para mudar a situação. Sendo humanos, respondemos a ataques verbais e emocionais como se fossem ameaças, que suscitam a raiva. Mas, quando não somos capazes de admitir a nossa própria raiva, ao invés de reconhecermos a ameaça do ambiente, vemo-nos como errados. Em lugar de fluir para fora, a fim de mudar o ambiente, nossa energia fica presa em esforços internos, como a repressão e o controle.
A Deusa liberta a energia de nossa ira. Ela é vista como sagrada e seu poder é purificado. Como o fogo numa floresta na imensidão imperturbável, ela varre para longe a vegetação rasteira para que os brotos de nossa criatividade possam receber a luz do sol que os alimenta. Controlamos nossas ações; não tentamos controlar nossos sentimentos. A raiva torna-se uma força de ligação que incita confrontações e comunicações honestas com os outros.
Referi-me à Deusa como símbolo psicológico e, também, como realidade manifesta. Ela é ambos. Ela existe e nós a criamos. Os símbolos e atributos associados à Deusa falam com o self mais jovem e, através dele, com o self profundo. Eles nos ocupam emocionalmente. Sabemos que a Deusa não é a lua, mas ainda nos maravilhamos com a sua luz brilhando através dos ramos das árvores. Sabemos que a Deusa não é uma mulher, mas respondemos com amor como se ela o fosse e, portanto, associamo-nos emocionalmente a todas as qualidades abstratas por trás do símbolo.
Várias formas e símbolos representam a Deusa. Olhos que esquematicamente são também seios, simbolizam seus poderes nutrientes e o dom da visão interior. O crescente representa a lua: uma meia-lua que cresce e míngua, costas contra costas, torna-se a acha-d’armas, a arma das culturas da Deusa. Triângulos, ovais e losangos, as formas dos órgãos genitais femininos, são também seus símbolos. Como parte do treinamento de um iniciado, ele é ensinado a visualizar símbolos, a meditar e brincar sobre e com eles, em sua imaginação, até que revelem seus significados diretamente. Qualquer símbolo ou aspecto da deusa pode ser a base para a meditação, mas como tenho espaço para somente um exemplo, escolhi a espiral dupla:
Os Encargos da Deusa, apresentado na abertura deste capítulo, reflete a interpretação da Arte da Deusa. Começa com uma longa lista de nomes da Deusa, retirados de várias culturas, os quais não são entendidos como seres isolados, mas como diferentes aspectos do mesmo ser, que é todos os seres. Os nomes usados podem mudar de acordo com as estações ou preferências do orador: por exemplo, a Deusa pode se chamar “Kore” na primavera, em virtude do aspecto de donzela da Deusa grega. Uma bruxa de origem judaica poderá chamar a antiga Deusa hebraica de Ashimah ou Asherah; uma bruxa afro-americana poderá preferir Iemanjá, a deusa da África Ocidental, do mar e do amor.3 Na maioria das tradições da Arte, o nome interno da Deusa é reconhecido por incorporar maior poder e, portanto, é mantido em segredo, revelado somente para iniciados. Os nomes externos freqüentemente utilizados são Diana, para a deusa da lua e Aradia, sua filha, que, segundo as lendas, foi enviada à terra para libertar as pessoas através dos ensinamentos das artes da magia.4
“Necessidade de alguma coisa” refere-se tanto às necessidades espirituais quanto materiais. Em bruxaria não há essa separação. A Deusa manifesta-se na comida que comemos, nas pessoas que amamos, no trabalho que realizamos, nas casas onde moramos. Não é considerado ignóbil pedir por bens ou confortos necessitados. “Trabalhe para si e verá que o self está em toda parte”, é um ditado da tradição da fadas. É através do mundo material que nos abrimos para a Deusa. Mas, a Feitiçaria também reconhece que quando as necessidades materiais são atendidas, necessidades e anseios mais profundos podem permanecer. Estes somente podem ser satisfeitos através da associação com as forças interiores, que alimentam e dão a vida, a que chamamos de Deusa.
O coven encontra-se na lua cheia, em homenagem à Deusa que está no auge de sua glória. As marés de poder sutil são consideradas como sendo as mais fortes quando a lua está cheia. A Deusa é identificada à frutificante energia lunar que ilumina a escuridão secreta; o poder feminino, pulsante e mareante, que aumente e diminui em harmonia com o fluxo menstrual da mulher. O sol é identificado aos self masculino e polar, o deus, cujos festivais são celebrados em oito pontos de poder no ciclo solar.
A Deusa é a libertadora e já foi dito que o “seu ofício é a liberdade total”,5 Ela é a libertadora, pois manifesta-se em nossos anseios e emoções mais profundos que, sempre e inevitavelmente , ameaçam sistemas elaborados para contê-los. Ela é amor e ira, os quais recusam adaptação confortável à ordem social. Ser “livre da escravidão” significava, anteriormente, que dentro do círculo ritual todos eram iguais, independentemente de serem camponeses, servos ou nobres no mundo exterior. Escravidão, hoje, pode ser mental e emocional, como também física: a escravidão das percepções fixas, das idéias condicionadas, de crenças cegas, do medo. A Feitiçaria requer liberdade intelectual e coragem para confrontarmos nossas próprias suposições. Ela não é um sistema de crenças; é uma atitude de constante auto-renovação de alegria e encanto para com o universo.
O corpo nu representa a verdade, a verdade que é mais profunda que os costumes sociais. As bruxas realizam seus cultos nuas por várias razões: como uma maneira de estabelecer intimidade e de deixar cair as máscaras sociais, pois o poder é mais facilmente evocado deste modo e porque o corpo humano, em si, é sagrado. A nudez é um sinal de que a lealdade de uma bruxa é para com a verdade, antecedendo qualquer ideologia ou quaisquer ilusões reconfortantes.
Rituais são alegres e prazerosos. Bruxos cantam, festejam, dançam, riem, brincam e divertem-se no decorrer dos rituais. A Feitiçaria é séria, mas não é, no entanto, pomposa e solene. Como no judaísmo hassidim ou na bhakti yoga, alegria e êxtase são percebidos como caminhos para o divino. O “êxtase do espírito” não é separado da “alegria na terra”. Um leva ao outro; um não pode ser verdadeiramente concebido sem o outro. Alegrias terrenas, não vinculadas ao profundo e sensível poder da Deusa, tornam-se mecânicas, sem sentido, meras sensações que, em pouco tempo, perdem seu encanto. Mas êxtases espirituais que tentam fugir dos sentidos e do corpo tornam-se igualmente áridos e sem fundamentos, sugando a vitalidade em lugar de alimentá-la.
A lei da Deusa é o amor: o apaixonado amor sexual, a carinhosa afeição entre amigos, o feroz e protetor amor da mãe pelo filho, o profundo companheirismo do coven. Não há nada amorfo ou superficial em relação ao amor da religião da Deusa; ele é sempre específico, direcionado a indivíduos reais e não a um vago conceito de humanidade. O amor inclui os animais, plantas, a terra, “todos os seres”, não somente os humanos. Ele inclui a nós mesmos, assim como todas as nossas falíveis qualidades humanas.
Ceridwen é uma das formas da Deusa celta e seu caldeirão é o caldeirão-útero do renascimento e da inspiração. Na mitologia celta primitiva, o caldeirão da Deusa revivia guerreiros mortos. Ele foi roubado e levado para o inferno e os heróis que guerrearam, a fim de que fosse recuperado e retornasse, foram os cavaleiros originais do rei Artur e sua Távola Redonda, que buscavam sua encarnação posterior, o Santo Gral. O outro mundo celta é denominado de Terra da Juventude e o segredo que abre a sua porta é encontrado no caldeirão: o segredo da imortalidade reside no fato de perceber a morte como parte integral da ciclo da vida. Nada, jamais, se perde no universo: o renascimento pode ser compreendido na própria vida, onde todo fim conduz a um novo início. A maioria das bruxas acreditam, de fato, em alguma forma de reencarnação. Isto não de deve à doutrina, mas ao entranhado sentimento que cresce a partir de uma visão de mundo que percebe todos os eventos como sendo processos contínuos. A morte é entendida como uma das pontas da roda em constante movimento e não o derradeiro final. Continuamente nos renovamos e renascemos toda vez que bebemos plena e destemidamente da “taça do vinho da vida.”
O amor da Deusa é incondicional. Ela não exige sacrifícios – humano ou animal – nem tampouco é sua vontade que sacrifique-mos nossos desejos e necessidades normais e humanos. A Feitiçaria é inerente à vida, que sofre mudanças constantes que geram perdas constantes. Oferendas: um poema, uma pintura, uma pitada de algum grão, podem expressar nossa gratidão por suas dádivas, mas somente quando estas são realizadas espontaneamente e não como uma espécie de obrigação.
Na passagem da Deusa Estelar, percebemos as imagens do entorno celestial, a lua, as águas, a terra verde, de onde tudo vem e para onde tudo retornará. Ela é o “espírito da natureza”, que vivifica todas as coisas.
Qualquer ato baseado no amor e no prazer é um ritual da Deusa. Seu culto pode tomar qualquer forma e ocorrer em qualquer lugar; não exige liturgia, catedrais ou confissões. Sua essência é a identificação, no cerne do prazer, de sua fonte mais profunda. O prazer, deste modo, não é superficial e transforma-se em uma expressão profunda da força vital; um poder de ligação que nos une aos outros, não a mera sensação de satisfazer nossas necessidades isoladas.
A Feitiçaria reconhece que qualquer virtude torna-se um vício a menos que seja contrabalançada por seu oposto. A beleza, quando não sustentada pela força, é insípida, sem vida. O poder é intolerável quando não mediado pela compaixão. A honra, enquanto não equilibrada pela humildade, transforma-se em arrogância; e a alegria, quando não colorida pela reverência, torna-se mera superficialidade.
Finalmente, compreendemos o mistério: a não ser que busquemos a Deusa dentro de nós, jamais a encontraremos no lado de fora. Ela é interior e exterior; sólida como uma rocha, mutável como a imagem interna que dela fazemos. Ela é manifesta em cada um de nós. Portanto, por que procurar em outros lugares?
A Deusa é o “fim do desejo”, sua meta e sua realização. Em bruxaria, o desejo é visto como uma manifestação da Deusa. Não tentamos dominar ou fugir de nossos desejos: buscamos realizá-los. O desejo é a ligadura do universo; une o elétron ao núcleo, o planeta ao sol e, desta maneira, cria a forma, cria o mundo. Realizar o desejo significa unir-se ao que é desejado, tornar-se uno, unido à Deusa. Já estamos unidos à Deusa, ela está conosco desde o início. Portanto, a satisfação não é auto-indulgência, mas autopercepção.
Para as mulheres, a Deusa é o símbolo daquilo que é mais íntimo nas pessoas e o poder benéfico, nutritivo e libertador que existe dentro de cada uma. O cosmos é modelado conforme o corpo feminino, que é sagrado. Todas as fases da vida são sagradas: a idade é uma benção, não uma praga.
A Deusa não limita as mulheres ao seu corpo; ela desperta a mente, o espírito e as emoções. Através dela, podemos conhecer o poder de nossa raiva e agressividade, assim como o poder do nosso amor.
Para um homem, a Deusa, além de ser a força da vida universal, é o seu próprio e recluso self feminino. Ela incorpora todas as qualidade que a sociedade lhe ensina a não reconhecer em si mesmo. Sua primeira experiência com a Deusa pode, consequentemente, ser um tanto estereotipada; ela será a amante cósmica, o ser que alimenta, o outro eternamente desejado, a musa, tudo aquilo que ele não é.
À medida que ele se torna um todo e se conscientiza de suas própria qualidades “femininas”, ela parece mudar, mostrando-lhe uma nova face, sempre segurando o espelho que reflete para ele aquilo que ainda é inalcançável. Ele pode persegui-la para sempre e ela o iludirá, mas através desta tentativa ele crescerá, até que também aprenda a encontrá-la dentro de si.
Invocar a Deusa é despertar a Deusa que existe dentro de nós, é tornarmo-nos, durante um período, aquele aspecto da Deusa que invocamos. Uma invocação canaliza poder através da visualização de uma imagem da divindade. Em alguns covens, uma sacerdotisa é escolhida para representar a Deus manifesta para o restante. Em nossas assembléias, ela é invocada para estar presente em cada membro do círculo.
Uma invocação pode ser um determinado trecho de poesia ou música, cantada ou falada por um indivíduo ou pelo grupo. Em nossos covens, normalmente cantamos em grupo, algumas vezes sem palavras e espontaneamente, outras usando uma frase específica que é repetida várias vezes. Um cântico interpretado por múltiplas vozes em algumas ocasiões envolve uma sacerdotisa, que repete uma linha simples em surdina. “Tudo que é destemido é livre”, por exemplo, enquanto outra canta um ciclo repetitivo – “ Verde folha do broto/Folha do broto brilhante”, e assim por diante (veja a seguir) – e uma terceira declama um longo trecho poético, enquanto que todo o coven suavemente entoa os sons das vogais. É impossível reproduzir o efeito em uma folha de papel, mas as palavras são fornecidas, a seguir. Quando você fizer uso das invocações dadas aqui, por favor brinque com elas, experimente-as com melodias e encantamentos simples, rearrume-as, combine-as, misture-as, transforme-as e inspire-se nelas para criar as suas próprias invocações.
Filhas de Avalon