"Está muito em voga, atualmente, incitar os homens a sentir. Todavia, esta ânsia
é parcialmente uma reminiscência da provocação de colocar um homem aleijado para
correr." - Herb Goldberg
A imagem do Deus Galhudo em Feitiçaria é radicalmente diferente de qualquer
outra imagem de masculinidade em nossa cultura. Ela é difícil de ser
compreendida, pois ele não se encaixa em nenhum dos estereótipos esperados, nem
aqueles referentes ao homem "macho" nem às imagens invertidas daqueles que,
deliberadamente, buscam a efeminação. Ele é suave, carinhoso e encorajador,
mas é também o Caçador. Ele é o Deus Moribundo, mas a sua morte está sempre a
serviço da força vital. Ele é sexualidade indomada, mas sexualidade como um
poder profundo, sagrado e unificador. Ele é o poder do sentimento e a imagem do
que os homens poderiam ser, se estivessem libertos das correntes da cultura
patriarcal.
A imagem do Deus Galhudo foi deliberadamente pervertida pela igreja medieval
para a imagem do diabo cristão. As bruxas não acreditam ou cultuam o diabo -
elas o consideram como um conceito próprio do cristianismo. O Deus das Bruxas é
sexual, mas a sexualidade é percebida como sagrada, não como obscena ou
blasfema. Nosso deus possui chifres, mas estes são as meias-luas que crescem e
minguam da Deusa da Lua e o símbolo da vitalidade animal. Em alguns aspectos,
ele é negro, não por ser horrendo ou assustador, mas porque a escuridão e a
noite são períodos de poder e parte dos ciclos temporais.
Sempre existiram tradições da Arte nas quais ao deus é concedido reconhecimento
limitado. Na Arte, os mistérios femininos e os mistérios masculinos podem ser
desempenhados separadamente. Mas, na maioria das tradições de bruxas, o Deus
é visto como a outra metade da Deusa e muitos dos ritos e festividades são
dedicados a ele e a ela.
No culto medieval das bruxas, o Deus alcançou maior proeminência que a Deusa
durante certo período. Grande parte das confissões das bruxas falam "do diabo",
segundo a transcrição das palavras das bruxas realizadas pelos padres cristãos,
que se referiam ao seu deus não cristão. Poucas fazem menção à Deusa, que
geralmente era chamada Rainha de Elfame. Todavia, os interrogadores das bruxas
buscavam indícios do culto ao diabo e não do culto à Deusa. Eles registravam
aqueles que sustentavam suas acusações relativas a satanismo e ignoravam ou
torciam outro indicio. Suspeitos que eram torturados, e que chegavam ao limite
de sua resistência, freqüentemente recebiam declarações já prontas para
assinarem, as quais expressavam aquilo que os padres cristãos desejavam
acreditar, em lugar da verdade.
Uma prática comum na Arte medieval era o sacerdote e a sacerdotisa representarem
os papéis do Deus e da Deusa, os quais, acreditava-se, encarnavam fisicamente
durante os ritos. Uma antiga passagem citada por Margaret Murray expressa a
importância desse costume para camponeses analfabetos, para os quais ver era
crer: o sacerdote zombava daqueles que "escolhiam crer em Deus, o que os deixava
infelizes no mundo, e nem ele ou seu filho, Jesus Cristo, jamais apareciam para
quando invocados, como ele havia feito, ele que jamais os enganaria." Para a
maioria das bruxas, "aquele sabá terreno era o verdadeiro paraíso, o qual
continha mais prazer do que lhe era possível expressar; ela acreditava, também,
que a alegria por ele proporcionado era somente o prelúdio de uma glória muito
maior, pois seu deus penetrara de tal maneira em seu coração que nenhum outro
desejo encontraria ressonância".
No movimento feminino, a Feitiçaria diânica/separatista tornou-se moda e
algumas mulheres podem ter dificuldades em compreender porque uma feminista se
preocuparia com o Deus Galhudo. No entanto, existem poucas mulheres - se, de
fato, existem - cujas vidas não estão ligadas aos homens, senão sexual e
emocionalmente, então economicamente. O Deus Galhudo representa qualidades
masculinas poderosas e positivas que derivam de fontes mais profundas que
estereótipos e o aleijamento emocional e violento dos homens em nossa sociedade.
Se o homem tivesse sido criado à imagem do Deus Galhudo, estaria livre para ser
indomado sem ser cruel, irado sem ser violento, sexual sem ser coercivo,
espiritual sem ser assexuado e capaz de amar verdadeiramente. As sereias, que
são a Deusa, cantariam para ele.
A Deusa é aquela que tudo envolve, o solo do ser; o Deus é aquele que é dado à
luz, a sua imagem espelhada, o seu outro pólo. Ela é a terra; ele é o grão. Ela
é o céu que tudo abarca; ele é o sol, sua bola de fogo. Ela é a Roda; ele o
Viajante. Dele é o sacrifício da vida pela morte, a fim de que a vida possa
continuar. Ela é a mãe e Destruidora; ele é tudo que nasce e é destruído.
Para os homens, o Deus é a imagem do poder interior e da potência que vai além
do sexual. Ele é o self não dividido, no qual a mente não é cindida do corpo,
nem o espírito da carne. Unidos, ambos podem funcionar ao máximo do poder
criativo e emocional.
Em nossa cultura, ensina-se aos homens que a masculinidade exige ausência de
sentimentos. Eles são condicionados a agir de maneira militar; a castrar as
emoções e ignorar a mensagem de seus corpos; a negar o desconforto físico, a dor
e o medo, a fim de lutar e dominar com maior eficácia. Isso assume foros de
verdade independentemente de o campo de batalha ser o da guerra, um quarto ou um
escritório.
Tornou-se uma espécie de clichê afirmar que os homens foram treinados para serem
agressivos e dominadores, e as mulheres ensinadas a serem passivas e submissas,
que aos homens é permitido demonstrar sua raiva e às mulheres não. Na cultura
patriarcal, ambos, homens e mulheres, aprendem a funcionar dentro de uma
hierarquia, onde aqueles que se encontram no topo dominam os que estão abaixo.
Um aspecto dessa dominância é o privilégio de expressar a raiva. O general
repreende o sargento; ao soldado não é permitido fazer a mesma coisa. O chefe é
livre para ficar furioso, mas não o seu assistente. A mulher do chefe grita com
sua empregada, mas não vice-versa. Visto que as mulheres têm, geralmente, estado
na parte inferior das hierarquias, do mundo dos negócios à família tradicional,
elas vêm suportando o ímpeto de uma grande quantidade de fúria masculina e têm
sido as principais vítimas da violência. A raiva pode ser vista como resposta a
um ataque; poucos homens encontram-se em posições onde podem se dar ao luxo de
confrontar diretamente seus atacantes.
A raiva masculina, portanto, torna-se distorcida e pervertida. É ameaçador
reconhecer a fonte verdadeira de sua ira, pois, deste modo, ele seria obrigado a
reconhecer o desamparo, a impotência e a humilhação de sua posição. Ao invés
disso, ele pode voltar a sua raiva para alvos mais seguros, mulheres, crianças
ou, até mesmo, homens menos poderosos. Ou sua raiva pode transformar-se em
autodestruição: doenças, depressão, alcoolismo ou qualquer variedade de vícios
disponíveis.
Patriarcado significa, literalmente, "lei dos pais", mas em um patriarcado, a
poucos homens é permitido desempenhar o papel de "pai" fora da esfera limitada
da família. A estrutura de instituições hierárquicas é piramidal: um homem ao
alto controla muitos abaixo. Os homens competem por dinheiro e pelo poder sobre
os outros; a maioria, que não alcança o topo da corrente de comando, é forçada a
permanecer imatura, desempenhando o papel de filho rebelde ou cumpridor de seus
deveres. Os filhos zelosos buscam agradar eternamente ao pai através da
obediência; os maus filhos buscam derruba-lo e tomar o seu lugar. De qualquer
maneira, eles não estão em contato com seus próprios desejos e sentimentos.
Nossas religiões, portanto, refletem um cosmos no qual o Deus-Pai exorta seus
"filhos" a obedecer às normas e a fazer aquilo que lhes é pedido, a menos que
queiram tomar o partido do grande rebelde. Nossa psicologia é a da guerra entre
pais e filhos, que constantemente disputam a posse exclusiva da mãe, que, como
todas as mulheres sob o patriarcado, é o prêmio máximo do sucesso. E a política
progressista reduz-se às atitudes de filhos rebeldes, os quais destronam o pai
somente para instituir as suas próprias hierarquias.
O Deus Galhudo, todavia, nasce de uma mãe virgem. Ele é um modelo de poder
masculino que está livre da rivalidade entre pai e filho e dos conflitos
edipianos. Ele não tem pai; é o seu próprio pai. À medida que cresce e atravessa
as mudanças da Roda, permanece relacionado à força nutriente primordial. Seu
poder é extraído diretamente da Deusa: ele é parte dela.
O Deus incorpora o poder do sentimento. Seus chifres animais representam a
verdade da emoção não mascarada, a qual não busca agradar a nenhum senhor. Ele é
indômito. Mas, sentimentos indomados são muito diferentes de violência
sancionada. O deus é a força da vida, o ciclo da vida. Ele permanece dentro da
órbita da deusa; seu poder está sempre a serviço da vida.
O Deus das Bruxas é o Deus do amor. Esse amor inclui a sexualidade, que também é
plenamente selvagem e indomada, assim como suave e carinhosa. Sua sexualidade é
plenamente sentida, em um contexto onde o desejo sexual é sagrado, não somente
por ser o meio pelo qual a vida é procriada mas, também, porque ele é o meio
através do qual nossas próprias vidas são mais profundas e extaticamente
realizadas. Em Feitiçaria, o sexo é um sacramento, sinal externo de uma graça
interior. Essa graça é a profunda ligação e o reconhecimento da totalidade da
outra pessoa. Em essência, não se limita ao ato físico, é uma troca de energia,
um alimentar sutil entre as pessoas. Através da ligação com o outro, ligamo-nos
ao todo.
Na Arte, o corpo masculino, como o corpo feminino, é tido como sagrado, que não
deve ser violado. É violação do corpo masculino utiliza-lo como arma, do mesmo
modo que é uma violação do corpo feminino usa-lo como objeto ou campo de
experimentação à serviço da virilidade do homem. Fingir desejo, quando
inexistente, viola a verdade do corpo, assim como a repressão do desejo, o qual
é totalmente sentido mesmo quando não satisfeito. Mas, sentir desejos e anseios
é admitir a necessidade, o que é ameaçador para muitos homens em nossa cultura.
Sob o patriarcado, os homens, enquanto estimulados a esperar muitos cuidados por
parte das mulheres, também são ensinados a não admitir a necessidade de serem
alimentados, a necessidade de, às vezes, serem passivos, fracos, de se apoiar em
outra pessoa. O Deus, em Feitiçaria, personifica o anseio e o desejo pela união
com a força primordial e nutriente. Em lugar de buscar cuidados maternos
ilimitados de mulheres reais e vivas, os homens, na Feitiçaria, são encorajados
a se identificarem com o Deus e, através dele, atingirem a união com a Deusa,
cujo amor de mãe não tem limites. A Deusa é tanto uma força externa quanto
interna: quando sua imagem penetra a mente e o coração de um homem, torna-se
parte dele. Ele pode aliar-se às suas próprias qualidades nutritivas, com a Musa
interior, que é uma fonte de inspiração indelével.
O Deus é Eros, mas também é logos, o poder da mente. Em bruxaria, não existe
oposição entre estes. O desejo corporal pela união e o desejo emocional pela
ligação são transmutados no desejo intelectual pelo conhecimento, que também é
uma forma de união. O conhecimento pode ser tanto analítico quanto sintético;
pode separar as coisas e observar as diferenças ou formar um padrão a partir de
partes não integradas e enxergar o todo.
Para as mulheres educadas em nossa cultura, o deus começa como símbolo de todas
as qualidades que foram identificadas como masculinas e que não fomos
estimulados a possuir. O símbolo do Deus, como o da Deusa, é interno e externo.
Através da meditação e do ritual, a mulher que invoca o Deus cria a sua imagem
dentro de si e liga-se às qualidades das quais carece. Uma vez que a sua
compreensão vai além das limitações culturalmente impostas, sua imagem do Deus
transforma-se, aprofunda-se. Ele é a criação, que não é simplesmente uma réplica
de nós mesmos, mas algo diferente, de natureza diferente.A verdadeira criação
implica a separação, visto que o próprio ato de nascimento é de renúncia, de
abandono. Através do Deus a mulher conhece este poder em si mesma. Seu amor e
desejo distendem-se através do abismo da separação, retesados como a corda de
uma harpa, cantarolando uma nota que se transforma na única canção - o uni-verso
- de todos. Essa vibração é energia, a verdadeira fonte do poder interior. E,
portanto, o Deus, como a Deusa, dá poderes à mulher.
Para ambos, homens e mulheres, o Deus é também o Deus Moribundo. Como tal, ele
representa o cessar que sustenta a vida: morte a serviço da força da vida. A
vida é caracterizada por muitas perdas e, a menos que a dor de cada uma seja
plenamente sentida e trabalhada, ela permanece enterrada na psique, onde como
uma ferida purulenta que nunca sara, ela exsuda o veneno emocional.[10] O Deus
Moribundo incorpora o conceito de perda. Nos rituais, quando representamos a sua
morte repetidas vezes, liberamos as emoções que cercam as nossas próprias
perdas, lancetamos as feridas e vencemos as dificuldades em direção à cura
prometida pelo renascimento. Essa purificação psicológica era o verdadeiro
objetivo da tragédia teatral, que se originou na Grécia, a partir dos ritos do
agonizante deus Dioniso.
Em Feitiçaria, a morte é sempre seguida do renascimento, a perda pela
restituição. Após a escuridão da lua, o novo crescente surge. A primavera vem
após o inverno; o dia depois da noite. Nem todos os bruxos crêem na reencarnação
literal; muitos, como Robin Morgan, percebem-na como " uma metáfora daquela
transição misticamente celular, na qual os dançarinos ADN e ARN (ácido
ribonucléico) entrelaçam-se imortalmente". Mas, em uma visão de mundo que
compreende tudo como sendo cíclico, a morte em si não pode ser o derradeiro
final, mas um tipo de transformação desconhecida para alguma nova forma de ser.
Na encenação e reencenação da morte do Deus, preparamo-nos para enfrentar essa
transformação, para vivermos o último estágio da vida. O Deus transforma-se no
confortador e consolador de corações, ensinando-nos a compreender a morte
através de seu exemplo. Ele personifica o carinho, o aconchego e a compaixão que
são os verdadeiros complementos da agressividade masculina.
O Deus Moribundo adquire chifres e torna-se o Caçador, que paulatinamente
acerca-se da morte. Poucos de nós, atualmente, participamos dos processos
vitais; não criamos ou caçamos nossa própria carne, mas a adquirimos
plasticamente embalada no supermercado. É difícil, para nós, compreender o
conceito de Caçador Divino. Mas, em uma cultura de caçadores, a caçada
significava vida, e o caçador era o propiciador da vida da tribo. A tribo
identificava-se com seus alimentos animais; caçar exigia tremenda habilidade e
conhecimento dos hábitos e psicologia da presa. Animais nunca eram abatidos
desnecessariamente e nenhuma parte era desperdiçada. A vida jamais era tomada
sem reconhecimento e reverência para com o espírito da presa.
Hoje, a única coisa que a maioria de nós caça regularmente são vagas para
estacionar. Mas, o caçador possui outro aspecto: de buscar, de procurar. Ele
personifica todas as jornadas, sejam elas físicas, espirituais, artísticas,
científicas ou sociais. Sua imagem é poemagógica: ela tanto simboliza como
desencadeia o processo criativo, que é em si uma jornada. O Deus busca a Deusa,
como o rei Artur buscou o Santo Graal, como cada um de nós busca aquilo que
perdemos e tudo o que ainda não foi encontrado.
Como a Deusa, o Deus une todos os opostos. Como na invocação no início deste
capítulo, ele tanto é o sol brilhante, a força energizante e fornecedora da lua,
como a escuridão da noite e da morte. Ambos os aspectos, como disse
anteriormente, são complementares, não contraditórios. Não podem ser
identificados como "bons" ou "maus": ambos fazem parte do ciclo, o equilíbrio
necessário da vida.
Como Senhor dos Ventos, o Deus é identificado com os elementos e o mundo
natural. Como Deus da Dança, ele simboliza a dança espiral da vida, as energias
rodopiantes que unem a existência em eterno movimento. Ele personifica o
movimento e a mudança.
A Criança do Sol nasce no solstício de inverno quando, após o triunfo da
escuridão da noite mais longa do ano, o sol levanta-se novamente. Em bruxaria,
as celebrações da Deusa são lunares; as do Deus acompanham o padrão mitológico
da Roda do Ano.
No solstício de inverno, ele nasce como a encarnação da inocência e da alegria,
de um prazer infantil pelas coisas. Dele é o triunfo da luz que retorna. Na
celebração de Brígida ou Candelária (2 de fevereiro) seu crescimento é
festejado, à medida que os dias se tornam visivelmente mais longos. No equinócio
da primavera, ele é o jovem, viçoso e florescente, que dança com a Deusa em sua
forma de donzela. Nos festejos de Beltane (1º de maio, o antigo dia dos celtas
para a festa da primavera), seu casamento é celebrado com paus-de-fita
enfeitados e fogueiras e no solstício de verão ele é consumado, em uma união tão
completa que ela se transforma em morte. Ele é nomeado rei coroado do verão, em
lugar de nascido inverno e a coroa é de rosas: a perfeição da culminância casada
com os espinhos pontiagudos. Ele é velado em Lughnasad (1º de agosto) e, no
equinócio de outono, adormece no útero da Deusa, navegando através do mar sem
sol, que é o seu ventre. Na celebração Samhain (Dia das Bruxas, 31 de outubro),
ele chega à Terra da Juventude, a Terra Brilhante onde os espíritos dos mortos
tornam-se jovens novamente, enquanto esperam pelo renascimento. Ele abre os
portões para que possam retornar e visitar os seus bem-amados e reina ma Terra
dos Sonhos à medida que se torna mais jovem, até que no solstício de inverno
novamente renasce.
Este é o mito: a afirmação poética de um processo que é sazonal, celestial e
psicológico. Ao encenarmos o mito no ritual, representamos nossas próprias
transformações, o constante nascimento, crescimento, culminância e transmissão
de nossas idéias, planos, trabalho, relacionamentos. Cada perda, cada mudança,
mesmo uma que seja feliz, representa uma reviravolta na vida. Cada um de nós
transforma-se no Ser Suspenso: a erva pendurada para secar, a carne secando ao
sol, o Enforcado do Tarô, cujo significado é o sacrifício que nos permite passar
para um novo nível de ser.
A associação de amor e morte é muito forte na mitologia de várias culturas. Em
Feitiçaria, o amor nunca é associado à violência física real e nada poderia ser
mais antiético ao espírito da Arte que a atual febre de pornografia violenta. O
Deus não perpetra atos de sadomasoquismo com a Deusa ou prega para ela o "poder
da renúncia sexual". É Ele que se abandona ao poder de seu próprio sentimento.
Em nenhuma parte, a não ser no amor, vivemos tão completamente no presente que
se consome; e em nenhum outro período, a não ser quando estamos apaixonados,
tornamo-nos tão marcadamente conscientes de nossa própria mortalidade. Pois,
mesmo que o amor seja duradouro - e ambas, as canções populares e a experiência
pessoal, asseguram-nos o contrário - ou se transforme em uma forma mais doce e
profunda, e menos fogosa, mais cedo ou mais tarde um dos amantes morrerá e o
outro ficará só. A Arte não busca resolver esse dilema, mas intensifica-lo, pois
somente através da compreensão do agridoce, pelo abraço de Pã, cujas coxas
cabeludas, ao se esfregarem contra as nossas deixam-nas em carne viva, mesmo ao
levar-nos ao êxtase, podemos aprender a ser plenamente viventes.
E, portanto. O Deus é o veado orgulhoso que habita o coração da floresta mais
profunda, a do self. Ele é o garanhão, veloz como o pensamento, cujas patas em
meia-lua deixam marcas lunares mesmo quando lançam fagulhas do fogo solar. Ele é
o bode-Pã, luxúria e medo, as emoções animais que são também os poderes
estimuladores da vida humana; ele é a lua-touro, com seus chifres em meia-lua,
sua força e suas patas que retumbam sobre a terra. Estes são apenas alguns dos
seus aspectos animais.
No entanto, ele é indomado. Ele é tudo aquilo dentro de nós que jamais será
domesticado, que se recusa a fazer concessões, ser moderado, tornar-se seguro,
moldado ou adulterado. Ele é livre.
Como deus do ano que se extingue, ele navega o último mar da terra dos sonhos, o
outro mundo, o espaço interno no qual a criatividade é gerada. A mítica ilha
Brilhante é a nossa própria fonte interna de inspiração. Ele é o self viajando
pelas águas escuras da mente inconsciente. Os portões por ele guardados são os
portais que dividem o inconsciente do consciente, os portões da noite e do dia
os quais atravessamos para irmos além da ilusão da dualidade, os portões da
forma através dos quais entramos e saímos da vida.
Enquanto ele é o eterno moribundo, também é o que eternamente renasce. No
momento da sua transformação, torna-se imortal, como o amor é imortal mesmo que
os seus objetos possam esmaecer. Ele brilha com o esplendor que irradia a vida.
O Deus, assim como a Deusa, possui muitos nomes. Ele surge, ligado a ela,
através dos tempos, das cavernas paleolíticas aos touros de Creta antiga, aos
contos medievais de Robin Hood e seus homens. Qualquer um de seus nomes ou
aspectos pode ser utilizado como um enfoque para a meditação.
Apesar de existirem muitos homens na Feitiçaria moderna, em geral, eles são
menos imediatamente atraídos para a Arte, como o são as mulheres. À parte de
quão simplista ou supersticiosamente a Arte seja compreendida, ela oferece às
mulheres um modelo de força feminina e poder criativo; nesse ponto, notadamente
ela sofre pouca competição por parte de outras religiões. Mas, para os homens,
ela exige que abram mão de formas tradicionais de poder e conceitos tradicionais
de religião. O que ela oferece aos homens é algo mais sutil e, nem sempre, fácil
de ser compreendido.
Os homens não são subservientes ou relegados a uma cidadania espiritual de
segunda classe em bruxaria. Mas, tampouco são imediatamente elevados a um
status mais alto que o das mulheres, como ocorre em outras religiões. Homens na
Arte devem interagir com mulheres fortes e poderosas que não fingem ser nada
menos do que são. Muitos homens acham essa perspectiva desconcertante.
A Arte exige, também, novo relacionamento em relação ao corpo feminino. Ele não
pode mais ser entendido como um objeto ou difamado como algo sujo. O corpo de
uma mulher, seus cheiros, secreções e sangue menstrual, é sagrado, digno de
reverência e celebração. Os corpos das mulheres pertencem somente a elas;
nenhuma autoridade espiritual apoiará a tentativa de um homem em possuí-lo ou
controla-lo.
O corpo não é para ser festejado em isolamento. Os homens na Arte devem entrar
em um acordo quanto ao poder da mulher: o poder de uma mulher completa, a mulher
realizada, cuja mente, espírito e emoções estão plenamente despertados. O homem
também deve conhecer e aceitar o poder do seu próprio self feminino interno;
saber gerar uma fonte de alimentação e inspiração dentro de si, em lugar de
busca-la exclusivamente no exterior.
Feitiçaria significa, também, perder o modelo de espiritualidade do "grande
homem". Jesus, Buda, Krishna, Moisés e toda a horda de pregadores, profetas,
gurus e líderes grupais que afirmam ensinar em seus nomes ou em nome de seus
descendentes seculares, perdem as suas auréolas. Em bruxaria, não existem
figuras paternas reconfortantes e que tudo sabem, que prometem respostas para
tudo ao preço de nossa própria autonomia pessoal. A Arte exorta cada um de nós
para que sejamos nossa própria autoridade, e esta pode ser uma posição
desconfortável.
Na realidade, não existe mais um Deus, o Pai. Na Arte, o cosmo não é mais
modelado a partir do controle masculino externo. A hierarquia é dissolvida; a
cadeia celestial de comando é rompida; os textos divinamente revelados são
vistos como poesia, não verdades. Em vez disso, o homem deve entrar em contato
com a Deusa, que é imanente ao mundo, na natureza, na mulher, em seus próprios
sentimentos, em tudo aquilo que as religiões de sua infância ensinaram-no como
sendo necessário superar, transcender, dominar, a fim de ser amado por Deus.
Mas, os próprios aspectos da Feitiçaria que parecem ameaçadores também oferecem
aos homens uma nova e vibrante possibilidade espiritual: a da totalidade, união
e liberdade. Homens corajosos acham estimulantes os relacionamentos com mulheres
poderosas. Eles acolhem a chance de conhecerem o feminino dentro de si, de
crescerem para além das limitações culturalmente impostas e tornarem-se um todo.
Tentativas para viver o modelo do Deus-Pai isolam os homens em situações de vida
emocionalmente rígidas. Muitos homens recebem com alegria a liberdade do fim do
eterno conflito pai-filho do patriarcado. Eles se comprazem em um modelo de
poder masculino que é não hierárquico, em que não é nem escravo e nem senhor.
Enquanto alguns indivíduos talvez não escapem da autoridade externa em suas
próprias vidas, eles as vêem como são: um conjunto arbitrário de regras de um
jogo complexo. Eles podem jogar ou recuar, mas suas identidades e auto-estima
não dependem mais do lugar que ocupam na pirâmide do poder.
Na Arte, a cisão entre mente e corpo, carne e espírito, é curada. Os homens são
livres para serem espirituais sem serem assexuados, pois Deus e Deusa incorporam
a força profundamente tocante da sexualidade apaixonadamente vivida. Eles podem
unir-se a seus sentimentos verdadeiros, suas necessidades, suas fraquezas, assim
como a suas forças. Os rituais são vigorosos, físicos, energéticos e catárticos.
O êxtase e a energia selvagem e indomada são revestidos de um valor espiritual,
não relegados ao campo de futebol ou ao bar da esquina.
É incômodo ser a nossa própria autoridade, mas é o único estado sob o qual o
verdadeiro poder pessoal pode desenvolver-se. Homens e mulheres não se contentam
mais em serem submissos ou bodes expiatórios, de colocarem decisões de vida e
morte nas mãos de um "líder destemido", um papa ou um Jim Jones. A autoridade
pessoal exige integridade e responsabilidade, mas sem ela não podemos ser
livres.
Nos covens, os homens podem ter apoio do grupo e a afeição de outros homens, bem
como das mulheres. Eles podem interagir em situações que não são competitivas ou
antagônicas. Homens em covens podem tornar-se amigos de outros homens.
Filhas de Avalon