segunda-feira, 21 de setembro de 2015

BRUXARIA E FEITIÇARIA



Desde o século XIX existiu a preocupação acerca do estudo das Bruxas e da Bruxaria como um fenômeno histórico e social de importância por vários estudiosos. A maioria se centrou na análise da Bruxaria como um sinônimo para qualquer coisa ligada à magia, surgida em qualquer tempo ou lugar. Isso tem gerado uma verdadeira confusão e debate interminável sobre o emprego apropriado das palavras Bruxaria e Feitiçaria. Embora é certo, possuam semelhanças, não se pode dizer que Bruxaria seja o mesmo que Feitiçaria.
No saber popular, a Bruxaria é considerada por muitos como as crenças, conhecimentos práticos e atividades atribuídos a certas pessoas chamadas de Bruxas(os) que são supostamente dotadas de prováveis habilidades mágicas que são empregadas com a finalidade de alterar a realidade e/ou causar danos. As Bruxas foram chamadas de heréticas pela Igreja Católica, que classificou como Bruxaria toda a sorte de cultos estranhos que encontrou ao longo de sua história, classificando-os como heresia. Usar e terminologia herética ou heresia para se referir à Bruxaria, é assim, perpetuar a visão negativa que a Igreja lançou e ainda sustenta sobre todos nós e não expressar a maneira positiva como verdadeiramente nos vemos e nos identificamos. Quase todos os livros de história e os acadêmicos que estudaram o tema levam em consideração as fontes clássicas para seus estudos e para o desenvolvimento de seu pensamento. Exatamente por isso, classificam da mesma forma a Bruxaria e os Bruxos como heréticos por tabela. E é aí que todo tipo de problemas interpretativos acontece quando Bruxos desejam usar esses estudos clássicos para respaldar suas achismos sobre Bruxaria.
Embora, para a maioria dos leigos no imaginário popular, a visão clássica estigmatizada seja o conceito mais frequente em relação às "Bruxas", a Bruxaria foi reivindicada à partir do final do século XX pelas religiões Neopagãs, como a Wicca, para designá-la. Esta reivindicação colocou esse grupo específico de pessoas em uma posição completamente distante daquela visão apresentada como verdadeira pelas fontes clássicas aceitas e levantou interessantes questões. A discussão começa quando alguns insistem em chamar a Bruxaria de herética. Ela assim pode ser considerada pelo ponto de vista da Igreja onde tudo que não seja Cristianismo é heresia. Porém, os adeptos da Arte recusam essa teoria e entre eles, entretanto, a Bruxaria é compreendida como um fenômeno religioso que foi denegrido pela Igreja e que ocorreu, mais especificamente, na Europa Ocidental entre os séculos XV e XVII ou nas colônias inglesas na América do Norte. Os adeptos dessa visão advogam que os rituais e crenças da Bruxaria foram pervertidos pela Cristianismo em função dos interesses políticos e religiosos da época e jamais foram heréticos, pelo menos do ponto de vista Pagão.
Logo, é preciso entender que o que pode ser considerado válido para os historiadores para traçar o perfil da Bruxa clássica não é considerado como válido pelos praticantes da Bruxaria para determinar as práticas, crenças e aquilo que hoje faz esse grupo que reivindica essa palavra para designar sua religião.
Para compreendermos todo esse dilema, é importante entendermos claramente o que significam as 3 palavras chaves sobre as quais esse debate se sustenta.

A MAGIA: A Bruxaria não é uma palavra sinônima para magia. A magia é definida como a arte de alterar os fatos de acordo com a vontade. É tida como presente puro do eu que habita no interior de todas as coisas e está presente em todas as religiões e surgiu quando o primeiro homem desenhou a primeira figura de um animal sendo caçado nas paredes das cavernas, acreditando que isso de fato facilitaria a caça real e atrairia o animal ao caçador. A maioria dos atos na vida são atos mágicos: apagar a vela de aniversário enquanto se faz um pedido, orar com fé para ser ouvido, entrar com o pé direito pela primeira vez em um lugar. Tudo o que envolve o foco do pensamento para um objetivo específico é magia. Porém, com o tempo esses atos foram incluídos no âmbito da pura superstição. A magia tem sido usada por diferentes culturas e manifestações religiosas há milhares de anos. Ela é a arte de direcionar e usar as forças psíquicas, extrassensoriais e nossa força de vontade canalizando-as para um objetivo. É o poder inerente que todo ser humano tem de por meio de um ato de força de vontade e pensamento conseguir alterar eventos e realizar os desejos de um indivíduo ou grupo. É importante termos em mente que magia é a arte de efetuar mudanças através de nossa consciência e vontade. A magia não reside em instrumentos mágicos, nem é algo relegado a uma casta de pessoas e religião específica. Ela é uma força natural disponível a todos os seres.

A BRUXARIA: A Bruxaria é uma ciência (conhecimento), uma arte (compreendida não como uma atividade artística, mas como o reflexo de uma época e cultura vivida) e é inclusive por si mesma uma religião que tem como base o culto à natureza e a relação devocional com o mundo espiritual através dos Deuses. A magia faz parte dos fundamentos e bases da Bruxaria, mas isso por si mesmo não é sua finalidade mais importante. A Bruxaria jamais poderá estar separada do âmbito iniciático, religioso e da atitude devocional, porque deixaria imediatamente de existir. Assim, se entendermos que usamos a palavra Bruxaria em português para traduzir o termo em inglês grafado como Witchcraft, ou seja, a Arte dos Sábios, pressupõe-se que sua característica essencial inclui uma linha sucessória de transmissão de conhecimento advinda de um grupo, os sábios ou os Wicces/Wiccas como eram chamados no inglês arcaico. Aqui a Iniciação é colocada como uma ferramenta necessária para que uma pessoa seja admitida no interior de uma assembleia que a reconheça como parte integrante da mesma para receber determinados conhecimentos. Sem a atitude iniciática, religiosa e devocional, a Bruxaria se torna a Feitiçaria pura, se descontextualizando da identidade compartilhada entre seus adeptos, que a considera uma religião sacerdotal e iniciática em seu próprio mérito com uma linha sucessória que remeta aos Wicces/Wiccas. Qualquer pessoa que deseje compreender a diferença entre Bruxaria e Feitiçaria precisará antes entender a diferença entre o conhecimento guardado e transmitido de forma iniciática com uma identidade compartilhada (Bruxaria) e a prática operacional separada e independente de uma matéria dentro de um culto (Feitiçaria), pois sem essa compreensão qualquer pessoa é induzida ao engano achando que está fazendo uma coisa quando na realidade faz outra. Resumidamente, para o(a) Feiticeiro/Feiticeira uma linhagem e a devoção não são importantes já que a fonte de seu poder oculto é a força da palavra, a invocação, a cerimônia em si e o uso visceral da magia que existe em si. Para o(a) Bruxa(o), a fonte de seu poder provém de sua adoração pessoal e voluntária aos seus Deuses. A Bruxaria foi reivindicada à partir do final do século XX pelas religiões Neopagãs, como a Wicca, para designá-la e não se fez qualquer distinção entre uma e a outra na ocasião.

A FEITIÇARIA: A Feitiçaria é um fenômeno que se dá em todas as épocas e sociedades e se origina da inquietação humana pelo contato com o mundo sobrenatural para modificar a ordem do mundo natural. A Feitiçaria é tão antiga que na realidade em toda cultura pode-se encontrar práticas feiticeiras que usam técnicas apropriadas e invocação dos poderes misteriosos. Aqui falamos de algo que muitas vezes se confunde com a Bruxaria, mas que expressa a prática separada e independente de aspectos de um ou mais cultos, não importa se sejam pagãos ou cristãos, sem se valer de qualquer ato devocional ou religioso. A identidade compartilhada da Feitiçaria e dos Feiticeiros inclui as intervenções dos espíritos com a finalidade de produzir os mais variados resultados, uso de sortilégios, cura dos doentes, causar danos, entre outras coisas. Usualmente a Feitiçaria evoca as forças mágicas para conseguir um fim, que não é o mesmo que cultuar e interagir com os Deuses por meio de determinados preceitos religiosos e devocionais através de uma identidade compartilhada e universal (como o faz a Bruxaria). A Feitiçaria pode ou deve conceber-se como um conjunto livre de práticas mágicas pessoais e independentes que se leve a cabo sem Iniciação ou linhagem e sem usar qualquer mediação religiosa ou devocional com o sobrenatural além da própria vontade visceral do Feiticeiro. Logo, um Feiticeiro pode ser aquela pessoa do campo que conhece os segredos das ervas para aliviar o mal-estar, a rezadeira do bairro, o Xamã que com seus conhecimentos afasta os maus espíritos e restaura a ordem, a mãe que sabe exatamente quando seu filho sofre algum dano. Ou seja, a Feitiçaria utiliza a capacidade visceral do ser humano de fazer com que certas coisas ocorram de acordo com a vontade do operador sem que haja qualquer relação devocional, sacerdotal e até mesmo religiosa envolvida nas práticas do Feiticeiro.
Tendo em vista essas colocações, fica claro porque determinados indivíduos que são na realidade Feiticeiros chamam aquilo que fazem de Bruxaria. Isto é, estes embora não sejam conscientes ou, inclusive rechacem reconhecê-la como uma religião concreta, dão por certo que a Wicca e os Wiccanianos não sendo Bruxos de acordo com o entendimento equivocado que eles compreendem como Bruxaria, de alguma forma estão invadindo uma parcela do que sentem ser herdeiros e depositários quando na realidade o que acontece é o oposto. E assim, encontramos um mundo sem fim de opiniões, muito elaboradas e eruditas mas em sua grande maioria tão díspares e extravagantes como pessoais, que fomentaram e prolongam ainda mais uma diferenciação que é absolutamente fictícia.
Como existem muitas formas de Feitiçarias, elas acabam sendo tão diversas como as pessoas pois não deixam de ser o exercício de determinadas práticas mágicas para a obtenção de resultados à margem de quaisquer crenças ou devoção. Já a Bruxaria, faz referência a um Culto que surge em condições religiosas inerentes. Isso entra em choque abertamente com os conceitos desenvolvidos por meio da livre interpretação daquele que quer ou entenda que "deva ser" reconhecido como um Bruxo, quando ele na realidade é um Feiticeiro. Isso inclui, sobretudo, aqueles que concebem e compreendem a prática da Bruxaria como um culto religioso diferente da Wicca.

Claudiney Prieto