segunda-feira, 6 de maio de 2019

A Primeira Bruxa


Contam as nossas lendas que as bruxas sempre existiram. Desde a primeira mulher que olhou para a lua e descobriu nela uma companheira no seu caminho de sangue, comprovando como ela se enchia e se esvaziava como ela. Desde que observou o mundo que o rodeava e se viu refletida na mudança das estações. Desde que viu passar diante de si não só as estações que atravessava todos os meses durante as mudanças hormonais e que a tornavam quatro aspectos de si mesma, mas também um reflexo da sua própria vida nas mudanças da natureza: as promessas e vitalidade do seu Juventude na primavera. A plenitude e a fertilidade do verão quente em seu próprio ventre inchado pela gravidez. A calma cheia de frutos que chega com o outono na idade madura. E a sabedoria e introspecção do silêncio do inverno na compreensão que chegava em sua própria velhice.
Desde que soube ser parte de um ciclo muito maior do que ela mesma, ligada com tudo o que a rodeava, parte importante de um grande mistério do qual era centro e observadora. Desde que decidiu que viveria para descobrir esse mistério e no processo descobriu muitos dos segredos da terra. Segredos que os outros chamaram de magia.
Ela descobriu que tudo o que a rodeava tinha uma alma. Uma vibração que se ligava com a sua. E cada vibração lhe falava de propriedades especiais. Cada planta vibrava de uma forma e experimentando descobriu que algumas curavam e que outras matavam, e algumas faziam as duas coisas de acordo de como eram usadas. E com elas descobriu que a vida e a morte são apenas as duas faces de uma mesma coisa. Descobriu plantas e cogumelos que lhe faziam viajar até o outro lado do véu que separa a ambas e que, se não as usava na sua justa medida, essa viagem poderia não ter retorno. Ela descobriu que as pedras que cobriam o solo do seu mundo lhe falavam de poderes de cura. Descobriu o poder transformador do fogo, física e emocionalmente. Descobriu que se ouvia o vento, este lhe contava histórias que ela tinha sabido desde sempre, e só tinha que lembrar. Ela descobriu que os seus sonhos eram mais do que imagens sem sentido que morriam quando ela acordava. Descobriu que havia um "algo" vivo por trás de cada coisa, uma batida que partia desde o mais profundo da terra e que sentia na planta dos seus pés nus em cada passo. Descobriu que podia sentir essa mesma "alguma coisa" nas gotas de chuva que deixava deslizar pelo seu corpo, no barulho da água de rios e oceanos, na brisa e no vento que lhe acariciaram como um amante, nos trovão e nos raios. , no calor do sol e no frio da noite. Aprendeu que esse "algo" estava presente no dia quente, mas também mostrava um caminho para o interior de si mesma na escuridão da noite. Ele percebeu que esse " algo " era o espírito que animava o mundo que lhe rodeava, que lhe proporcionava alimento, refúgio, sua vida... e a esse " algo " lhe colocou nome. Ela chamou-lhe "Mãe".
Tornou-se a sua filha, sua mensageira entre a humanidade e ela. Na mulher sábia da tribo que curava. Que trazia as crianças valiosas ao mundo ajudando assim a perpetuar uma espécie frágil. Que viajava para o mundo dos espíritos e trazia mensagens dos que tinham partido há muito tempo. Tornou-se conselheira e amiga. Em guia e confidente.
E quando se soube preparada começou a ensinar as outras a lembrar quem elas eram. Porque contam as nossas lendas que nós, as bruxas, somos diferentes, um grupo de almas com uma missão especial. E quem é bruxa em uma de suas vidas o tem sido sempre, em todas as anteriores e o será nas que venham depois. Que já viemos com todos os conhecimentos escondidos dentro de nós, como um tesouro, e que só temos que nos lembrar como chegar até ele.
Contam as nossas lendas que chegou um tempo de medo e ódio, e a palavra bruxa perdeu o seu significado e foi trocado por outro imundo, sujo, falso. E a humanidade tentou acabar com a gente enforcando e queimando muitas mulheres sábias, rebeldes, independentes, com voz própria e que os homens desejavam silenciar. Muitas bruxas morreram. Muito mais do que é falado.
E nos escondemos. Mas nunca esquecemos.
E quando os tempos do ódio se acalmaram em alguns lugares do mundo, regressamos vida após vida. E nos nossos sonhos lembramos. Em muitos deles eu me vejo andando de noite por um caminho que atravessa uma floresta antiga, densa e escura. Eu vou em uma fila portando uma bandeja de oferendas, água, flores, frutos... na minha frente outra mulher leva uma tocha acesa mostrando o caminho, atrás outras levando cada uma suas respectivas oferendas. Chegamos até um círculo de pedras, e cada uma sabe para qual dirigir-se e depositar sua oferenda em frente a ela. Depois estamos nos aproximamos do centro, onde há um altar em que repousa uma flor murcha que uma de nós substitui por outra fresca. Olhamos para o céu e a vemos, a lua. Cheia, grande, dirigindo o seu olhar triste para nós. Elevamos os braços chamando por ela. Reivindicando a sua presença entre nós. Dentro de nós. Um cântico surge das nossas gargantas enquanto o ritmo da terra penetra pelos nossos pés e começamos a dançar... Sabemos que o que fazemos é proibido, nós somos proibidas, mas celebramos a lua como já fizeram antes as nossas mães, as nossas avós, as nossas antepassadas que todos os meses vieram a honrá-la e a si mesmas entre estas pedras.
Quando eu acordo na minha cama neste século XXI sorrio ao lembrar quem eu sou. Eu sorrio ao saber que eles não puderam acabar conosco.
Contam as nossas lendas que a primeira bruxa vive em cada uma de nós que viemos mais tarde. Que continuamos a vir vida após vida.
Contam as nossas lendas, que todas as bruxas somos uma...
Witch Wolf