Lyla sentou-se no chão e olhou para o céu claro, limpo e estrelado. O
reflexo da Lua cheia na água fez Lyla pensar numa pérola. Redonda e
branca... mas logo as crianças chegaram, e sentaram ao seu redor,
interrompendo seus pensamentos. Sorrindo, Lyla olhou para cada uma deles.
Comecemos? Vou contar para vocês a estória de como o Cornudo se
sacrifica todos os anos para garantir força à Grande Mãe, para que esta possa
vencer o frio do Inverno. Estão prontos?' As crianças acalmaram-se para
ouvir Lyla. 'Não foi a muito tempo que aconteceu. O Sol sumia no Oeste,
e as aves noturnas já deixavam seus ninhos, umas ameaçando cantar.
Debaixo das árvores, correndo para suas tocas, os pequenos animais
apressavam-se, fugindo do frio cortante que se faria presente em pouco tempo.
Aquela era a época do Cornudo, e só as criaturas mais fortes
sobreviveriam a inverno tão rigoroso.
O Sol baixou, baixou, até que só se via uma fina linha de separação
entre céu e Terra no horizonte, e tudo ficou avermelhado, com um ar mais
mágico. E então, a luz se foi. A Lua estava crescente no céu, e um vento
gelado começou a correr por entre os troncos seculares das árvores.
Ouve-se, agora, o som de uma flauta...som tão límpido e cristalino, que a
superfície do lago, antes parada, tremulou ao som da melodia alegre.
Todos os animais da floresta pararam para ouvir o som da flauta, e
mesmo as aves noturnas cessaram seu canto orgulhoso. E por entre as
árvores, a flauta se fez ouvida em toda a floresta. E mais nada, além do som
doce da flauta. Atravessando o lago, um pouco depois do Grande Carvalho,
estava a fonte de tal encantamento. Sentado numa pedra coberta de limo,
balançando ao som da flauta de bambu, um ser robusto, com tronco e
cabeça de homem, pernas cobertas de pêlo, cascos de cavalo e grandes
chifres pontiagudos.
Observava a donzela que dançava ao som de sua música, logo à sua
frente. Tinha longos cabelos claros, lisos, que escorriam até a altura da
cintura.Os fios sedosos acompanhavam os movimentos da dança, pés
habilidosos moviam-se descalços sobre a grama. A Deusa nunca havia estado tão
bela quanto naquela noite.
Os dois brincavam nus, na noite fria da floresta, e alguns animais
sejuntavam ao redor da clareira. Cansada, a Donzela sentou-se, e olhando
para o Cornudo, esperou que a música acabasse.
Quando o Deus afastou a flauta de seus lábios, as figuras dos animais e
da Donzela desapareçam... meras lembranças. A Deusa agora recolhia-se
grávida no Mundo Subterrâneo, guardada por seus familiares, pronta para
dar à luz dentro de tão pouco tempo. Era necessário que o Sol Novo
nascesse. O Cornudo levantou-se com tristeza e caminhou até o lago, para
observar seu reflexo.
Já estava velho e fraco, mas ainda continha grande energia... energia
necessária para que a Deusa agüentasse o parto que se seguiria em menos
de dois meses. Já não podia continuar a viver... a Terra precisava de
seu sangue, e o Sol Novo de sua energia. Um grito ecoou em sua mente: a
Deusa sofria. Aquele era o momento certo. O Cornudo olhou para os céus,
e olhando para a mata, despediu-se de sua casa. Tambores rufaram quando
Ele ergueu suas mãos e pronunciou as palavras secretas. Houve uma
explosão, e Ele desapareceu.
Aqui, numa clareira nas montanhas, já distante da floresta, ouviam-se
os tambores de guerra. Uma música rápida e repetitiva tornava o ar
agressivo.Também com uma explosão, o cornudo surge no centro do círculo, um
olhar decidido em seu rosto.
O Velho Cornudo tinha agora em suas mãos uma adaga ritual, e quando Ele
alevantou apontada para seu peito os tambores cessaram. Cernunnos
fechou os olhos, e o momento se fez silencioso... aqueles segundos duraram
milênios
... O Cornudo levou a adaga a seu peito, e os tambores voltaram a
tocar.
Quando a lâmina fria rasgou a carne do Deus, não houve um grito, sequer
um sussurro de dor... apenas o som do sangue derramando-se sobre a
terra. O Cornudo ajoelhou-se, com calma em seu olhar. Com as próprias mãos,
abriu a ferida para que os espíritos recolhessem o sangue.
Quando o círculo tornou-se silencioso novamente, e todos os espíritos
partiram, o Deus deitou e virou-se para as estrelas, e esperou que a paz
voltasse a reinar sobre a floresta. Ainda sentia o sangue escorrendo
para fora de seu corpo, e regando o círculo sagrado em que repousaria
para sempre.
E do solo, ou talvez de lugares além das estrelas mais distantes,
elevou-se um cântico, murmurado e pausado ... talvez fossem as pequenas
criaturas do subsolo, ou ainda as estrelas, despedindo-se de seu Deus.
"Hoof and Horn, Hoof and Horn
All that Dies Shall be Reborn.
Corn and Grain, Corn and Grain
All that Falls Shall Rise Again."
O Cornudo morreu sorrindo, sabendo ser a semente de seu próprio
renascimento. E Ele pode sentir sua energia retornando ao útero da Grande Mãe,
que agora deixava de sofrer...
Os espíritos, então, romperam a barreira entre os dois mundos, e
caminharam por sobre a Terra, espalhando o sangue e a força do Deus, para que
pudéssemos sobreviver através dos tempos difíceis que se aproximavam.'
Lyla limpou uma lágrima que escorria de seu rosto. As crianças ainda
ouviam atentas.
'É por isso que os espíritos vêm ao nosso mundo nessa noite tão
escura...
Eles trazem consigo um pouco do sangue do Deus Cornudo, que só
renascerá no Solstício de Inverno. Trazem conselhos, proteção e promessas de
que nos irão guiar durante todo o período escuro do ano. Devemos,
portanto, saudar os espíritos, porque, sem eles, a semente do renascimento não
seria espalhada.
Agora vão para a Casa Grande, vamos começar o ritual.'
Lyla deixou que as crianças corressem na frente em direção à Casa
Grande. Parou no meio do caminho, e deixou que seus ouvidos escutassem os
sons do além. E de algum lugar chegou aos ouvidos de Lyla um cântico...
'Hoof and Horn, Hoof and Horn...
E Lyla caminhou para a Casa Grande.
Do livro Bruxaria "Raven Grimassi".
reflexo da Lua cheia na água fez Lyla pensar numa pérola. Redonda e
branca... mas logo as crianças chegaram, e sentaram ao seu redor,
interrompendo seus pensamentos. Sorrindo, Lyla olhou para cada uma deles.
Comecemos? Vou contar para vocês a estória de como o Cornudo se
sacrifica todos os anos para garantir força à Grande Mãe, para que esta possa
vencer o frio do Inverno. Estão prontos?' As crianças acalmaram-se para
ouvir Lyla. 'Não foi a muito tempo que aconteceu. O Sol sumia no Oeste,
e as aves noturnas já deixavam seus ninhos, umas ameaçando cantar.
Debaixo das árvores, correndo para suas tocas, os pequenos animais
apressavam-se, fugindo do frio cortante que se faria presente em pouco tempo.
Aquela era a época do Cornudo, e só as criaturas mais fortes
sobreviveriam a inverno tão rigoroso.
O Sol baixou, baixou, até que só se via uma fina linha de separação
entre céu e Terra no horizonte, e tudo ficou avermelhado, com um ar mais
mágico. E então, a luz se foi. A Lua estava crescente no céu, e um vento
gelado começou a correr por entre os troncos seculares das árvores.
Ouve-se, agora, o som de uma flauta...som tão límpido e cristalino, que a
superfície do lago, antes parada, tremulou ao som da melodia alegre.
Todos os animais da floresta pararam para ouvir o som da flauta, e
mesmo as aves noturnas cessaram seu canto orgulhoso. E por entre as
árvores, a flauta se fez ouvida em toda a floresta. E mais nada, além do som
doce da flauta. Atravessando o lago, um pouco depois do Grande Carvalho,
estava a fonte de tal encantamento. Sentado numa pedra coberta de limo,
balançando ao som da flauta de bambu, um ser robusto, com tronco e
cabeça de homem, pernas cobertas de pêlo, cascos de cavalo e grandes
chifres pontiagudos.
Observava a donzela que dançava ao som de sua música, logo à sua
frente. Tinha longos cabelos claros, lisos, que escorriam até a altura da
cintura.Os fios sedosos acompanhavam os movimentos da dança, pés
habilidosos moviam-se descalços sobre a grama. A Deusa nunca havia estado tão
bela quanto naquela noite.
Os dois brincavam nus, na noite fria da floresta, e alguns animais
sejuntavam ao redor da clareira. Cansada, a Donzela sentou-se, e olhando
para o Cornudo, esperou que a música acabasse.
Quando o Deus afastou a flauta de seus lábios, as figuras dos animais e
da Donzela desapareçam... meras lembranças. A Deusa agora recolhia-se
grávida no Mundo Subterrâneo, guardada por seus familiares, pronta para
dar à luz dentro de tão pouco tempo. Era necessário que o Sol Novo
nascesse. O Cornudo levantou-se com tristeza e caminhou até o lago, para
observar seu reflexo.
Já estava velho e fraco, mas ainda continha grande energia... energia
necessária para que a Deusa agüentasse o parto que se seguiria em menos
de dois meses. Já não podia continuar a viver... a Terra precisava de
seu sangue, e o Sol Novo de sua energia. Um grito ecoou em sua mente: a
Deusa sofria. Aquele era o momento certo. O Cornudo olhou para os céus,
e olhando para a mata, despediu-se de sua casa. Tambores rufaram quando
Ele ergueu suas mãos e pronunciou as palavras secretas. Houve uma
explosão, e Ele desapareceu.
Aqui, numa clareira nas montanhas, já distante da floresta, ouviam-se
os tambores de guerra. Uma música rápida e repetitiva tornava o ar
agressivo.Também com uma explosão, o cornudo surge no centro do círculo, um
olhar decidido em seu rosto.
O Velho Cornudo tinha agora em suas mãos uma adaga ritual, e quando Ele
alevantou apontada para seu peito os tambores cessaram. Cernunnos
fechou os olhos, e o momento se fez silencioso... aqueles segundos duraram
milênios
... O Cornudo levou a adaga a seu peito, e os tambores voltaram a
tocar.
Quando a lâmina fria rasgou a carne do Deus, não houve um grito, sequer
um sussurro de dor... apenas o som do sangue derramando-se sobre a
terra. O Cornudo ajoelhou-se, com calma em seu olhar. Com as próprias mãos,
abriu a ferida para que os espíritos recolhessem o sangue.
Quando o círculo tornou-se silencioso novamente, e todos os espíritos
partiram, o Deus deitou e virou-se para as estrelas, e esperou que a paz
voltasse a reinar sobre a floresta. Ainda sentia o sangue escorrendo
para fora de seu corpo, e regando o círculo sagrado em que repousaria
para sempre.
E do solo, ou talvez de lugares além das estrelas mais distantes,
elevou-se um cântico, murmurado e pausado ... talvez fossem as pequenas
criaturas do subsolo, ou ainda as estrelas, despedindo-se de seu Deus.
"Hoof and Horn, Hoof and Horn
All that Dies Shall be Reborn.
Corn and Grain, Corn and Grain
All that Falls Shall Rise Again."
O Cornudo morreu sorrindo, sabendo ser a semente de seu próprio
renascimento. E Ele pode sentir sua energia retornando ao útero da Grande Mãe,
que agora deixava de sofrer...
Os espíritos, então, romperam a barreira entre os dois mundos, e
caminharam por sobre a Terra, espalhando o sangue e a força do Deus, para que
pudéssemos sobreviver através dos tempos difíceis que se aproximavam.'
Lyla limpou uma lágrima que escorria de seu rosto. As crianças ainda
ouviam atentas.
'É por isso que os espíritos vêm ao nosso mundo nessa noite tão
escura...
Eles trazem consigo um pouco do sangue do Deus Cornudo, que só
renascerá no Solstício de Inverno. Trazem conselhos, proteção e promessas de
que nos irão guiar durante todo o período escuro do ano. Devemos,
portanto, saudar os espíritos, porque, sem eles, a semente do renascimento não
seria espalhada.
Agora vão para a Casa Grande, vamos começar o ritual.'
Lyla deixou que as crianças corressem na frente em direção à Casa
Grande. Parou no meio do caminho, e deixou que seus ouvidos escutassem os
sons do além. E de algum lugar chegou aos ouvidos de Lyla um cântico...
'Hoof and Horn, Hoof and Horn...
E Lyla caminhou para a Casa Grande.
Do livro Bruxaria "Raven Grimassi".