sábado, 20 de outubro de 2012

O Sacerdócio na Bruxaria



A palavra ‘sacerdote’ é originada do Latim, sacer = sagrado + dos = dom. O que nos faz crer que se trate de uma pessoa que “possui um dom". Neste sentido, uma pessoa não necessita de aprovação alheia para reconhecer-se portador de um ‘dom’, basta exercê-lo. Eu diria até que o ‘dom’, um ‘talento natural’, é muito mais democrático do que se pensa. Tem aquele que possui o dom para engenharia e há aquele outro que o possui para a poesia, e ainda outros com dons diversos, alguns ligados aos mundos do sobrenatural.

É com estes que gostaria de falar. Pessoas assim são ‘tocadas’ por estímulos diferentes do mundo material e mensurável. Elas possuem uma ‘sensibilidade’. Para cada ‘sensibilidade’ há uma sintonia natural entre pares de sensibilidade similar. E como existem muitas formas expressão de sensibilidade, encontramos os estudiosos de áreas específicas da Arte – uma questão da linguagem desta sensibilidade natural. Não é questão de aprender ou desvendar-se a linguagem, mas de possuí-la inerentemente ou não. Sem linguagem, sem sintonia.

Um bruxo, então, nasce bruxo. Não vai haver ‘iniciação’ que plante esta linguagem, como é comumente chamada, ‘semente’ ou ‘marca’, dentro de você. Ou você tem, ou não tem. Ou você é tocado, ou não. Pode se falar em iniciação vertical ou horizontal, até em zigue zague, mas “caminhar o caminho” ao invés de somente “falar do caminho” só é possível com esta linguagem específica. Como conjurar um espírito se você não possui este dom? Quem dirá então invocar Deuses, elementais, etc.?

Daí chegam as ‘ordens bruxas’, que são as institucionalizações ligadas aos mitos, que hoje estão tão desconectadas com esta realidade que acabam passando uma idéia errada do que é ser uma bruxa. Eles dizem que você pode ser um bruxo na marra, só porque alguém colocou a mão sobre a sua testa e disse: “Sois um bruxo!”. Mas uma ‘iniciação’ é somente um ‘início’ de aprendizado daquilo que você já tem dentro de si, se você não tem o acúmulo de estudos só lhe trará o mesmo resultado que o burro carregado de livros. Se a iniciação é motivada pelo desejo de reconhecimento entre pares, a iniciação é tão vazia de sentido quanto ensinar um pato a fazer rimas com seus grasnados.

Um sacerdócio, em todas as suas graduações, envolve não só a compreensão da liturgia envolvida em uma tradição, culto ou uma religião, mas a vivência real dos ideais alcançáveis pelos seus membros através de seus mistérios. Correto?

Então um ‘sacerdote bruxo’ não pode ser uma pessoa infeliz, pois só demonstra consigo ser incapaz de atingir os ideais de felicidade por ele pregados. A menos que seu ideal paradisíaco seja mais afeito à danação.

O ‘sacerdote bruxo’ que quer ajudar outras pessoas com seus problemas financeiros não o fará bem se não fizer isto primeiramente para si. Uma pessoa que não está feliz com sua vida sentimental jamais seria capaz de auxiliar outra pessoa em uma complicação amorosa. A explicação disto é simples: ninguém dá o que não tem para si.

Um Alto Sacerdote possui ainda uma função que se situa apenas oitava acima, e isto não significa de importância, mas de habilidade. Ele é responsável em educar seus sacerdotes para que encontrem seu rumo à felicidade – somente viável através da realização de seus próprios destinos. E também só é possível se possuir um corpo de ensinamento tradicional, que são ensinamentos ancestrais descrevendo os dramas que a humanidade vive desde o seu nascimento, suas decisões e seus resultados. Um corpo de ensinamento tradicional de menos de cem anos de existência pode ser útil, mas extremamente limitado. A limitação consiste no fato de quanto maior nossa visão do passado, maior ela é para o futuro. E é por isto que um bruxo tradicional se ocupa em buscar o conhecimento na filosofia e folclore dos povos, sem distinção, mais do que a busca insana de receituários de rituais e feitiços.

É interessante quando observamos as pistas históricas da figura da bruxa, em especial as deixadas pelos folclores rurais, e uma em especial é interessante: que o gênero de plantas mais usadas das bruxas medievais fosse justamente as solanaceae, ou seja, as ervas ‘consoladoras’. Dentre este gênero, há uma ampla gama de vegetais simples, como a batata, mas também um considerável número de venenos, o que as possibilitavam tanto curar quanto matar. As bruxas eram as ouvintes da sociedade, eram as ‘consoladoras’, com seus chás e ervas, simpatias e bênçãos.

Nada disso seria possível sem conhecer seu próprio eixo, sem conhecer o mundo em que ela vive, sem conhecer o que veio antes, e sem ter aprendido a usar o seu dom tão pacientemente, na mesma medida em que é obrigado um virtuose com o violino.

As bruxas históricas viviam em sintonia com o mundo ao seu redor porque o mundo era sua ferramenta de trabalho. Trabalho, sim. Ofício é uma profissão, pois se observarmos a pista etimológica, encontraremos a palavra originada do latim officiu, que significa o dever, trabalho de uma pessoa. O povo é que elege a bruxa, procurando-a como a sabia, a ‘consoladora’, a que traz paz de espírito. Seja pela palavra, pelo oráculo, pelo chá servido e o recomendado, ela dá força para que a labuta diária continue apesar dos dramas humanos. Ela prova o valor do herói e determina assim seu destino. Ela abençoa, e às vezes, sob o disfarce da maldição que avassala as paixões e esmaga ilusões, ela abençoa novamente.


Katy de Mattos Frisvold - Dia de Desgoverno, 2011.


Fonte: Diablerie.com.br/