Revelar-se pertencente a uma religião minoritária ainda
é angustiante para muitos indivíduos, e isso ocorre por conta do preconceito alimentado
pelos discursos de intolerância e ódio de líderes conservadores. Portanto,
assumir-se bruxa ou bruxo em uma sociedade que fomenta um medo estrutural
diante de tudo aquilo que é diferente se torna um desafio para os que desejam
sair do armário das vassouras.
“Armário das Vassouras” é um termo usual dentro da
Bruxaria que se refere ao local simbólico em que bruxas e bruxos subsistem, que
por diversas questões, não se sentem confortáveis em assumir sua religião socialmente,
e esse desconforto é real, e historicamente construído.
A Inquisição é quem fabricou o primeiro “armário das
vassouras” para que nossas ancestrais pudessem se esconder e isso não ocorreram
apenas com as bruxas, homossexuais e toda sorte de indivíduos perseguidos
precisaram, por uma questão de sobrevivência, habitar o escuro e mofado
armário. E por séculos passamos a nos acostumar com o lugar marginal que nos
foi impostos e muitos ainda hoje preferem a discrição para evitar os olhares inquisidores
de seus amigos, chefes e familiares.
É preciso compreender, antes de avançarmos nessa
discussão, que os diversos “armários” sociais existentes são intencionalmente
produzidos para manter o status quo vigente e reiterar uma normativa sustentada
por uma parcela da sociedade que detém o poder, é como “empurrar a sujeira para
debaixo do tapete” para continuar na afirmativa que “no meu tempo não existia
essa coisa de gay, bruxo, trans, etc.”. Notem que esse falacioso discurso
perpetuado por uma maioria conservadora e saudosista é alienante, pois se
desconsidera que na verdade homossexuais, bruxos, trans e toda a diversidade
sempre existiram, porém silenciada. Portanto, aceitar os “armários” que nos é
imposto todos os dias é na verdade continuarmos a reproduzir a opressão e
negligenciar os caminhos do respeito à diversidade humana.
Porém a mesma sociedade contemporânea que nos incita
a movimentos, justos é claro, de empoderamento é a mesma que no núcleo familiar
burguês oprime a garota que se assume lésbica, o garoto de berço evangélico que
se identifica com a Wicca, a trans que é forçada a ser quem não é; a mesma que
no mundo profissional nega emprego pela cor da pele de alguém, pelo seu cabelo.
E sair do “armário das vassouras” representa um risco que inclui diversos
fatores como: a perda da aceitação familiar e em casos mais extremos a expulsão
da casa dos pais, o preconceito social, a perda de oportunidades de emprego,
etc. E por essa razão não basta sair do “armário das vassouras” e pronto tudo
está resolvido. Sair do armário como bruxos exige de nós um movimento reflexivo
que vai muito além de um mero pentagrama no pescoço.
O dilema do armário das vassouras acompanha a
Bruxaria desde o seu renascimento com Gerald B. Gardner, que ao descobrir a Arte
precisou ocultá-la por uma questão de preservação de seus membros. Quando o
último grilhão foi quebrado, através da queda da última lei inglesa que
criminalizava a prática da bruxaria, Gardner, mesmo a contra gosto dos seus,
decidiu que havia chegado o momento de não apenas sair do armário das
vassouras, mas queimá-lo de uma vez por todas. E assim nasceu todo o movimento
que vivemos hoje.
Sair do armário das vassouras é por consequência uma
atitude de coragem e reverência ancestral, já que se assumir bruxa é resgatar a
memória de diversas vítimas da intolerância, tornando-as por esse ato um
símbolo vivo de resistência. Mas para que verdadeiramente ocorra uma
resistência significativa é preciso antes fortalecer o indivíduo que decide
tomar ela para si, posto que a não compreensão do que se pratica pode
comprometer não só o sujeito que se denomina bruxa ou bruxo, mas toda a
comunidade a quem ele está se referindo por sua imagem. Por essa razão,
assumir-se bruxa não tem relação com a moda que se veste, mas com a atitude que
se toma. A maioria das bruxas reais se parece menos com o estereótipo hollywoodiano
do que se pensa, e isso tem uma razão de ser: a Bruxaria não é algo que se faz,
e sim algo que se é!
Não existem sete passos para você sair do armário das
vassouras, não há uma previsão de como seu amigo, chefe ou familiar irá reagir
a sua revelação, cada caso é único. Já conheci pessoas que quando me assumia
bruxo achavam “super legal” e pelas costas reforçavam o que aprenderam historicamente
sobre bruxas: adoradoras de satã. E pessoas que pela sua fervorosa fé
considerei: “vão me colocar na fogueira”, quando na verdade foram as que mais
se abriram para a alteridade.
O melhor caminho para sair do armário das vassouras
é fazendo uma leitura minuciosa do terreno, permitindo com que o tema “Bruxaria”
apareça como debate amistoso sem causa de sujeito (você), isso pode lhe dar uma
lente por onde começar. Também é preciso considerar que: se você está apenas
explorando esse caminho não é justificável que você se denomine bruxa ou bruxo,
ser um de nós é algo que leva tempo e começa antes de qualquer coisa com uma
desconstrução do que você pensa que de fato é isso, ou seja, primeiro é preciso
ser bruxo para si, e só posteriormente emerge a camada social do que é ser um. É
preciso refletir também que se assumir bruxo pode requerer um contexto
apropriado e lógico, ou seja, há ambientes do cotidiano que não fazem o menor
sentido de atitudes afirmativas e de empoderamento, como: uma entrevista de
emprego, até pelo fato de que se um entrevistador pergunta sua religião e
fundamenta sua não admissão por isso, é uma falta ética do mesmo, devendo ser
punida legalmente. Outra questão é ser dependente materialmente de seus pais
que obviamente são contrários a sua fé, ou seja, assumir-se bruxo apenas para
bater de frente pode criar mais desrespeito de ambos os lados do que respeito,
e talvez o caminho mais brando para essa decisão exige antes sua emancipação econômica.
Sair do armário das vassouras é ainda um risco, e
pode vir a se tornar um risco maior se continuar essa ascensão fascista que
está tomando o nosso país, porém, é necessário continuar fazendo linha de
resistência. Assumir-se bruxo, gay, trans, etc., continuará sendo um risco até
que a sociedade como um todo mude, mas não podemos também esperar essa mudança
sem atitudes que intentem conscientemente a essa transformação. E para isso
aposte sempre no diálogo, sobretudo aquele que nasce da coerência e do
respeito. Desconstruímos nossos “inquisidores” pelo caminho da sabedoria,
ferramenta essa que os ignorantes desconhecem, e se conhecessem deixavam de ser
intolerantes! A empatia é uma dialética que precisa ser cultivada.
Por: Sérgio
Lourenço