domingo, 29 de julho de 2018

A Magia da Cozinha


Costumo sempre dizer que a Bruxaria é um caminho selvagem ao mesmo tempo em que é um caminho doméstico. É exatamente por seu caráter “doméstico” que ela se difere de outros caminhos da magia, àqueles de ordens herméticas, de templos escondidos cujos membros escondem seus segredos a sete chaves aos não iniciados.

Para a nossa estrada não existem segredos a sete chaves, existem sim, segredos guardados pela falta de uma leitura sincera do mundo, de nossa falta de capacidade de (re) conhecer a linguagem da natureza e diante disso fazermos uma interpretação que nos leve ao (auto) conhecimento. Para uma bruxa treinada nessa leitura da realidade, a magia se torna acessível onde quer que ela caminhe, e por isso mesmo em sua cozinha.

Você já parou para notar que os instrumentos sagrados da Bruxaria são reminiscências de um período que a humanidade vivia da caça e da coleta? E que a evolução deles se tornou o que temos hoje? E o que temos hoje é na realidade uma sublimação de meros instrumentos domésticos, cujo o objetivo é essencialmente o auxílio prático para facilitar a rotina e a sobrevivência?

Note, a vassoura é um instrumento de ordem da casa, a varinha é uma forma sublimada da colher de pau ou da lança de um caçador, o athame é uma faca que corta e separa os ingredientes, o pantáculo é um prato onde os alimentos preparados são depositados, o cálice é um copo, um recipiente para depositar qualquer líquido e para podermos beber, o caldeirão é uma panela onde os alimentos são cozidos.

Na cozinha encontramos os elementos: Terra, Ar, Fogo e Água, e lá realizamos a sua antiga alquimia no ato de cozinhar. Também nos debruçamos diante do ciclo de morte e renascimento tão essenciais para a manutenção da vida, já que qualquer alimento que chega até nós precisou ser colhido ou morto para que pudéssemos prepará-lo.
 

É muitas vezes na cozinha que reunimos o nosso pequeno clã de amigos e lá entre um bolo de fubá prestes a sair e uma xícara de café que dividimos segredos e trocamos experiências.
A cozinha é o coração de um lar, ela é que nos oferece o ritmo e o pulsar, todos procuram a cozinha, todos necessitam acessar a cozinha, seja para alimentar o corpo ou a alma. Para uma bruxa ela sempre será mais que somente um lugar da casa, para nós sempre será um lugar de amor, de cura, de magia, de alegria, de manutenção e equilíbrio da vida. E por isso expressamos algumas coisas nesse local para que seu potencial mágicko ajude-nos a nos re-ligar com o todo que se esconde em nossa rotina.

A cozinha é o verdadeiro laboratório alquímico da Bruxaria, e para que esse local se torne cada vez mais poderoso vamos aprender algumas coisas:

Imagens de vaca, galinha e porcos na cozinha a tornam um local de abundância e fertilidade. Esses animais são representados como símbolo de fartura e prosperidade e estão relacionados à faceta da Grande Mãe na Deusa. Podemos encontrar a vaca na cultura egípcia como a Deusa Hathor, a galinha pode ser encontrada na mitologia Celta como a Deusa Ceridwen como também os porcos.

Tenha pequenos vasos de temperos como sálvia, alecrim, pimenta, manjericão, erva doce, salsinha, cebolinha, arruda, cidreira entre outros sempre a mão, além de darem um toque especial na comida elas ainda oferecem uma fonte inesgotável de magia para a sua vida. Você ainda pode tê-los como tempero seco em vidro.

Queime as cascas do alho em um pires branco quando quiser pedir por mais proteção e afastar energias contrárias ao seu propósito, ou ainda você pode guardá-las para usar mais tarde em banhos de limpeza e proteção.

Procure ter na cozinha um altar, mesmo que seja simples, e que não seja em cima da geladeira, ok? Nesse altar procure acender sempre uma vela em honra aos espíritos que protegem sua casa e os elementais, deixando sempre para eles uma oferenda de leite, mel, fruta ou algum pedaço de pão ou bolo. Nas tradições de italianas de Bruxaria (Strega) esses espíritos são reconhecidos como Lasas, que nada mais são que um culto ancestral aos espíritos que protegiam o lar. Tais espíritos eram representados na forma de fadas, herança essa recebida de culturas como a Celta, por exemplo.

Faça uma guirlanda da fertilidade para a sua cozinha com ervas aromáticas, folhas de louro, hera, espiga de milho e ramos de trigo. Deixe-a bem cheia e decorada. Você pode fazer uma a cada primavera, renovando-a uma vez ao ano. Ou então faça pequenas bonecas da palha do milho ou trigo e decore-as para colocar na cozinha.

Desenhe símbolos mágickos sobre as colheres de pau que você usa para cozinhar e também na tábua de madeira que você para cortar alimentos. Uma boa dica é espirais, pentagramas, trilunas, triskeles, nós celtas, símbolos rúnicos de proteção e fertilidade. Crie uma colher de pau mágicka da seguinte maneira: pegue a colher de pau e a passe no fogo do fogão três vezes, em seguida jogue sal sobre ela toda, não muito, somente o suficiente para esfregar nela, e finalize lavando ela com água corrente da torneira da pia. No final grave na colher símbolos mágickos de sua preferência. A use sempre quando for preparar pratos especiais.

Na hora de cozinhar procure sempre acender um incenso, principalmente se você estiver com tempo para curtir e aproveitar sua cozinha. Lembre-se que a magia é um ato simpático, atraímos para nós aquilo que projetamos!

Proteja a cozinha colocando sempre sal grosso com água atrás da porta de entrada. Tenha também uma vassoura consagrada para limpar a cozinha de energias nocivas. E para tanto use elementos que podem ser encontrados diretamente na cozinha, como escrever sobre a casca de uma cebola a palavra protectus (protegido em latim) com uma caneta preta, depois a coloque sobre um pires branco com sal grosso, deixe-a visível.

Outro convite que a cozinha nos inspira é a leitura de oráculos. Uma forma oracular simples é usar uma cebola. A cebola esta relacionada diretamente com a lua e por isso se tornam instrumentos interessantes em magia. Corte uma cebola em quatro partes, segure a cebola cortada nas mãos e faça uma pergunta, é importante que a pergunta não seja muito elaborada, depois lance as partes sobre um guardanapo branco sobre a mesa e veja como elas caíram: se todas as partes caíram com a parte arredondada para baixo significa um não absoluto; se todas caíram com a parte cortada para cima significa um sim absoluto; se duas caíram de um jeito e as outras duas de outro, você tem um grande talvez.
Tais práticas, embora simples em sua execução, são importantes aliadas na construção de uma essência mágicka em sua vida. Esse resgate permite-nos que impregnemos de significado sagrado as coisas que foram abolidas e perdidas ao longo do processo civilizatório da humanidade, processo esse que deixou um vazio angustiante, deixando o ser humano a deriva de substitutos laicos que engessam a nossa vida criativa.

Por: Sérgio Lourenço