"Olhai os lírios do campo, como eles crescem... Não trabalham nem fiam... E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como qualquer um deles..." - Mateus, 6-28,29
As flores sempre exerceram forte fascínio e atraíram as pessoas mais sensíveis a conhecer seus mistérios. Em sua graça peculiar , as flores parecem ser a plasmação no mundo físico, de formas arquetípicas emanadas do próprio logos criador. Elas se fazem acompanhar de energias elementais da natureza que, nas dimensões astrais, tomam formas humanas curiosas, em tudo semelhantes à própria estrutura da flor; este é o caso das fadas, duendes e dos gnomos, que só podem ser vistos pelos sentidos especiais purificados, como é o caso das crianças tenras ou dos seres espiritualizados. Estes seres míticos estão bastante ligados às flores e são também responsáveis pelos efeitos sutis das mesmas. Graças a isso é que as flores são tão visitadas por sublimes beija-flores multicoloridos.
As flores têm perfumes que encantam e elevam o espírito, são belas em sua simplicidade singela, são suaves e têm também sabores variados e típicos. Em muitos países, existem tradições culinárias onde as flores são transformadas em saborosos e nutritivos pratos. A margarida é utilizada como alimento na França; nas pétalas das rosas vermelhas, se faz um tradicional doce na Bulgária; o girassol é uma flor que produz sementes de alto valor nutricional; a flor da abóbora (cambuquira) é apreciada em várias partes do Brasil; praticamente, em todas as partes do mundo, existem pratos com flores, como é o caso da Índia, com o seu exótico cravo.
Já que as flores estimulam quase todos os sentidos, só lhes faltava terem música... Mas será que elas não têm? Segundo a tradição iniciática, na Atlântida havia um tipo de flor muito semelhante ao nosso atual lírio, que emitia uma inebriante música! Bastava aproximar um dos ouvidos a essa flor para que a pessoa entrasse numa suave catarse. Os escritos secretos contam que "ouvir" essa flor chegou a ser proibido pelas autoridades, talvez do mesmo modo como ocorre atualmente em relação à maconha, ao ópio e ao haxixe, por causa dos seus efeitos farmacológicos. Diziam que a música dessa flor tinha a capacidade de desviar e alienar as pessoas...
Segundo a tradição, os atlantes tinham os sentidos superiores muito desenvolvidos e talvez a audição mais sutil chamada "clariaudiência" tivesse sido comum naquela distante civilização. Essa capacidade extra-sensorial só é observada em poucas pessoas da presente humanidade. Talvez tenha sido um pouco dessa capacidade que tenha motivado Strauss a com-por a sua famosa Valsa das flores, inspirado ao observar um campo de margaridas num piquenique de primavera. Se dispuséssemos dessa capacidade sensitiva, talvez pudéssemos contemplar extasiados uma sinfonia emitida por um campo de girassóis, ou o som etéreo ou sitarino de uma orquídea; quem sabe talvez o som dos lírios se assemelhem a clarinetas, ou das dedaleiras ao flautim...
Mesmo que pareça insano, há algo que nos parece dizer que as flores têm música. Seria sem sentido a afirmação dos místicos indianos de que o lótus - a flor sagrada -reproduz o sonido primordial, o mantra de uma só nota, o "OM"?
As flores inspiram os poetas e os amantes da vida. Há um interessante poema de Tennyson que mostra a ânsia do ser humano de conhecer os mistérios que as flores guardam:
Flower in the crannied wall
I pluck you out of the crannies;
Hold you here, root and all, in my hand, Little flower - but if I could
understand
What you are,
root and all, and all in ali,
I should know what God and man is.
(Flor no muro rachado,
Eu te arranco das fendas;
Te seguro com raiz e tudo, em minha mão, florzinha - mas se pudesse
compreender
O que és, com raiz e tudo, e tudo em tudo,
Eu conheceria o que são Deus e o homem.)
Nesse lindíssimo poema, Tennyson se mostra um típico poeta ocidental e deixa bem claro a sua tristeza pela impotência em desvendar os segredos da natureza, através da singeleza da flor. Mas é interessante observar que esse poema, apesar de ser fruto de uma inspiração poética, bem caracteriza o pensamento ocidental, que é, a priori, desvinculado de uma conexão mais íntima com a natureza. Talvez a distância entre o poeta e a flor seja a medida exata dessa falta de vínculo. A cultura ocidental é clara-mente discriminativa e separa as coisas da sua unidade, o sujeito do objeto, a parte do conjunto. Para desvendar os segredos da natureza, ou conhecer melhor a mensagem da flor, é necessário integrar-se com ela e eliminar a presença de uma mente analítica.
Os poetas orientais conseguem mais facilmente realizar a integração com a unidade fundamental das coisas, mas por meio de uma via diferente, a da abstração da mente conceitual, o que eleva à intuição mística.
Basho, um poeta japonês do século XVII, inspirado numa flor, compôs um pequeno poema, composto apenas de dezessete sílabas, conhecido como hokku, que caracteriza a diferença entre a sensibilidade dos dois tipos de poesia:
Yoku mireba
Nazuna hana saku
Karine kana.
(Quando olho atentamente
Vejo florir a nazuna
Ao pé da sebe!)
Fica bem claro nesse poema que o autor só pode escrevê-lo se se encontrar num estado de "união" com a própria flor, ou num contato íntimo com a natureza e num estado de espírito elevado. Enquanto Tennyson reclama por não compreender o mistério da flor, Basho compreende... Enquanto Tennyson "arranca" a flor, com "raiz e tudo", Basho a mantém no lugar... não sente a necessidade de retirá-la.
Estas colocações são importantes para compreendermos que, para "sentir" o segredo das flores - ou de qualquer elemento da natureza -, é necessário que nos identifiquemos diretamente com o "todo" que elas representam e que o único impedimento para que saibamos mais sobre os seus aparentes intrincados mistérios é justamente a forma como interpretamos as coisas e ante-pomos uma mente discriminativa quase sempre que observamos algum fenômeno. Para se entrar em contato com o sentido mais profundo das coisas, que é o sentido poético, é necessário que se abstraia a mente analítica comum. Caso contrário, será impossível compreender a mensagem das flores...
Quanto aos efeitos farmacológicos das flores, apesar da pouca informação e do ceticismo de muitos médicos, a aparência delicada das flores esconde qualidades surpreendentes. Quem pode negar, por exemplo, o efeito devastador do ópio, do haxixe ou do estramônio, que são extraídos de belas flores (papoula, cânhamo e trombeteira, respectivamente)? De muitas flores são extraídos também remédios fortes, como os digitálicos (dedaleira), de efeito cardiotonico notável. Das flores do lúpulo se obtém as substâncias adequadas para conferir o sabor inigualável da cerveja. Por outro lado, alguém saberá explicar por que as orquídeas exercem tanta fascinação com as suas formas exóticas, a ponto de fazer com que os colecionadores dediquem suas vidas ao seu cultivo apaixonado? O mel, um dos alimentos mais puros, energéticos e ricos em energia vital, é produzido pelas incansáveis abelhas a partir do pólen das flores silvestres. Sabe-se que, segundo o tipo de flor de onde as abelhas retiram o pólen, o mel apresenta um efeito medicinal diferente; assim, o mel das flores de laranjeira, de eucalipto, de marmelo, de assa-peixe, de macieira, de bracatinga, ou o mel da simples abelhinha jataí, são procurados pela sua eficácia no tratamento de inúmeras doenças; não seria o mel então uma essência curativa superconcentrada presente nas próprias flores? Que misteriosas substâncias ou energias guardam as flores nos seus níveis atômicos e hiperfísicos?
Não é essa mesma propriedade curativa sofisticada aquela presente também nos perfumes e nos remédios feitos a partir das soluções e dos destilados florais? Finalmente, o mel, considerado um dos componentes do néctar, o famoso alimento dos deuses do Olimpo, é um produto que obedece fielmente à determinação que Hipócrates recebeu do deus Esculápio, de procurar fazer do alimento um remédio, por ser exatamente as duas coisas numa só.
Mas as flores participam da vida dos seres humanos muito mais significativamente do que se pode imaginar. Elas alegram os ambientes, enfeitam a vida e enobrecem a morte. Cada uma, segundo o seu tipo, carrega uma mensagem, seja da natureza ou codificada pelos homens; estão presentes no nascimento e nos funerais, na doença e na alegria, no amor e na saudade, simbolizando, com as suas cores e perfumes, expressões dos sentimentos humanos mais nobres e verdadeiros. Haveria então um recurso medicinal mais adequado do que aquele que se identifica com os movimentos e as emanações da alma? Se são as alterações e os desequilíbrios presentes na alma os responsáveis principais pelas mazelas, doenças e sofrimentos, não seriam as flores os recursos apropriados para a sua perfeita e sutil correção?
Neste trabalho procuramos mostrar que isto é possível e que as flores representam muito mais do que símbolos, mas recursos eficazes e de grande poder alquímico, que hoje ressurgem fortalecidos pela esperança de uma medicina mais humana e sensível.
[Fonte: "Medicina Floral" , de Márcio Bontempo, Ediouro, 1994]
As flores têm perfumes que encantam e elevam o espírito, são belas em sua simplicidade singela, são suaves e têm também sabores variados e típicos. Em muitos países, existem tradições culinárias onde as flores são transformadas em saborosos e nutritivos pratos. A margarida é utilizada como alimento na França; nas pétalas das rosas vermelhas, se faz um tradicional doce na Bulgária; o girassol é uma flor que produz sementes de alto valor nutricional; a flor da abóbora (cambuquira) é apreciada em várias partes do Brasil; praticamente, em todas as partes do mundo, existem pratos com flores, como é o caso da Índia, com o seu exótico cravo.
Já que as flores estimulam quase todos os sentidos, só lhes faltava terem música... Mas será que elas não têm? Segundo a tradição iniciática, na Atlântida havia um tipo de flor muito semelhante ao nosso atual lírio, que emitia uma inebriante música! Bastava aproximar um dos ouvidos a essa flor para que a pessoa entrasse numa suave catarse. Os escritos secretos contam que "ouvir" essa flor chegou a ser proibido pelas autoridades, talvez do mesmo modo como ocorre atualmente em relação à maconha, ao ópio e ao haxixe, por causa dos seus efeitos farmacológicos. Diziam que a música dessa flor tinha a capacidade de desviar e alienar as pessoas...
Segundo a tradição, os atlantes tinham os sentidos superiores muito desenvolvidos e talvez a audição mais sutil chamada "clariaudiência" tivesse sido comum naquela distante civilização. Essa capacidade extra-sensorial só é observada em poucas pessoas da presente humanidade. Talvez tenha sido um pouco dessa capacidade que tenha motivado Strauss a com-por a sua famosa Valsa das flores, inspirado ao observar um campo de margaridas num piquenique de primavera. Se dispuséssemos dessa capacidade sensitiva, talvez pudéssemos contemplar extasiados uma sinfonia emitida por um campo de girassóis, ou o som etéreo ou sitarino de uma orquídea; quem sabe talvez o som dos lírios se assemelhem a clarinetas, ou das dedaleiras ao flautim...
Mesmo que pareça insano, há algo que nos parece dizer que as flores têm música. Seria sem sentido a afirmação dos místicos indianos de que o lótus - a flor sagrada -reproduz o sonido primordial, o mantra de uma só nota, o "OM"?
As flores inspiram os poetas e os amantes da vida. Há um interessante poema de Tennyson que mostra a ânsia do ser humano de conhecer os mistérios que as flores guardam:
Flower in the crannied wall
I pluck you out of the crannies;
Hold you here, root and all, in my hand, Little flower - but if I could
understand
What you are,
root and all, and all in ali,
I should know what God and man is.
(Flor no muro rachado,
Eu te arranco das fendas;
Te seguro com raiz e tudo, em minha mão, florzinha - mas se pudesse
compreender
O que és, com raiz e tudo, e tudo em tudo,
Eu conheceria o que são Deus e o homem.)
Nesse lindíssimo poema, Tennyson se mostra um típico poeta ocidental e deixa bem claro a sua tristeza pela impotência em desvendar os segredos da natureza, através da singeleza da flor. Mas é interessante observar que esse poema, apesar de ser fruto de uma inspiração poética, bem caracteriza o pensamento ocidental, que é, a priori, desvinculado de uma conexão mais íntima com a natureza. Talvez a distância entre o poeta e a flor seja a medida exata dessa falta de vínculo. A cultura ocidental é clara-mente discriminativa e separa as coisas da sua unidade, o sujeito do objeto, a parte do conjunto. Para desvendar os segredos da natureza, ou conhecer melhor a mensagem da flor, é necessário integrar-se com ela e eliminar a presença de uma mente analítica.
Os poetas orientais conseguem mais facilmente realizar a integração com a unidade fundamental das coisas, mas por meio de uma via diferente, a da abstração da mente conceitual, o que eleva à intuição mística.
Basho, um poeta japonês do século XVII, inspirado numa flor, compôs um pequeno poema, composto apenas de dezessete sílabas, conhecido como hokku, que caracteriza a diferença entre a sensibilidade dos dois tipos de poesia:
Yoku mireba
Nazuna hana saku
Karine kana.
(Quando olho atentamente
Vejo florir a nazuna
Ao pé da sebe!)
Fica bem claro nesse poema que o autor só pode escrevê-lo se se encontrar num estado de "união" com a própria flor, ou num contato íntimo com a natureza e num estado de espírito elevado. Enquanto Tennyson reclama por não compreender o mistério da flor, Basho compreende... Enquanto Tennyson "arranca" a flor, com "raiz e tudo", Basho a mantém no lugar... não sente a necessidade de retirá-la.
Estas colocações são importantes para compreendermos que, para "sentir" o segredo das flores - ou de qualquer elemento da natureza -, é necessário que nos identifiquemos diretamente com o "todo" que elas representam e que o único impedimento para que saibamos mais sobre os seus aparentes intrincados mistérios é justamente a forma como interpretamos as coisas e ante-pomos uma mente discriminativa quase sempre que observamos algum fenômeno. Para se entrar em contato com o sentido mais profundo das coisas, que é o sentido poético, é necessário que se abstraia a mente analítica comum. Caso contrário, será impossível compreender a mensagem das flores...
Quanto aos efeitos farmacológicos das flores, apesar da pouca informação e do ceticismo de muitos médicos, a aparência delicada das flores esconde qualidades surpreendentes. Quem pode negar, por exemplo, o efeito devastador do ópio, do haxixe ou do estramônio, que são extraídos de belas flores (papoula, cânhamo e trombeteira, respectivamente)? De muitas flores são extraídos também remédios fortes, como os digitálicos (dedaleira), de efeito cardiotonico notável. Das flores do lúpulo se obtém as substâncias adequadas para conferir o sabor inigualável da cerveja. Por outro lado, alguém saberá explicar por que as orquídeas exercem tanta fascinação com as suas formas exóticas, a ponto de fazer com que os colecionadores dediquem suas vidas ao seu cultivo apaixonado? O mel, um dos alimentos mais puros, energéticos e ricos em energia vital, é produzido pelas incansáveis abelhas a partir do pólen das flores silvestres. Sabe-se que, segundo o tipo de flor de onde as abelhas retiram o pólen, o mel apresenta um efeito medicinal diferente; assim, o mel das flores de laranjeira, de eucalipto, de marmelo, de assa-peixe, de macieira, de bracatinga, ou o mel da simples abelhinha jataí, são procurados pela sua eficácia no tratamento de inúmeras doenças; não seria o mel então uma essência curativa superconcentrada presente nas próprias flores? Que misteriosas substâncias ou energias guardam as flores nos seus níveis atômicos e hiperfísicos?
Não é essa mesma propriedade curativa sofisticada aquela presente também nos perfumes e nos remédios feitos a partir das soluções e dos destilados florais? Finalmente, o mel, considerado um dos componentes do néctar, o famoso alimento dos deuses do Olimpo, é um produto que obedece fielmente à determinação que Hipócrates recebeu do deus Esculápio, de procurar fazer do alimento um remédio, por ser exatamente as duas coisas numa só.
Mas as flores participam da vida dos seres humanos muito mais significativamente do que se pode imaginar. Elas alegram os ambientes, enfeitam a vida e enobrecem a morte. Cada uma, segundo o seu tipo, carrega uma mensagem, seja da natureza ou codificada pelos homens; estão presentes no nascimento e nos funerais, na doença e na alegria, no amor e na saudade, simbolizando, com as suas cores e perfumes, expressões dos sentimentos humanos mais nobres e verdadeiros. Haveria então um recurso medicinal mais adequado do que aquele que se identifica com os movimentos e as emanações da alma? Se são as alterações e os desequilíbrios presentes na alma os responsáveis principais pelas mazelas, doenças e sofrimentos, não seriam as flores os recursos apropriados para a sua perfeita e sutil correção?
Neste trabalho procuramos mostrar que isto é possível e que as flores representam muito mais do que símbolos, mas recursos eficazes e de grande poder alquímico, que hoje ressurgem fortalecidos pela esperança de uma medicina mais humana e sensível.
[Fonte: "Medicina Floral" , de Márcio Bontempo, Ediouro, 1994]