segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O Armário das Vassouras: Assumindo-se Bruxa (o)!



Revelar-se pertencente a uma religião minoritária ainda é angustiante para muitos indivíduos, e isso ocorre por conta do preconceito alimentado pelos discursos de intolerância e ódio de líderes conservadores. Portanto, assumir-se bruxa ou bruxo em uma sociedade que fomenta um medo estrutural diante de tudo aquilo que é diferente se torna um desafio para os que desejam sair do armário das vassouras.

“Armário das Vassouras” é um termo usual dentro da Bruxaria que se refere ao local simbólico em que bruxas e bruxos subsistem, que por diversas questões, não se sentem confortáveis em assumir sua religião socialmente, e esse desconforto é real, e historicamente construído.

A Inquisição é quem fabricou o primeiro “armário das vassouras” para que nossas ancestrais pudessem se esconder e isso não ocorreram apenas com as bruxas, homossexuais e toda sorte de indivíduos perseguidos precisaram, por uma questão de sobrevivência, habitar o escuro e mofado armário. E por séculos passamos a nos acostumar com o lugar marginal que nos foi impostos e muitos ainda hoje preferem a discrição para evitar os olhares inquisidores de seus amigos, chefes e familiares.

É preciso compreender, antes de avançarmos nessa discussão, que os diversos “armários” sociais existentes são intencionalmente produzidos para manter o status quo vigente e reiterar uma normativa sustentada por uma parcela da sociedade que detém o poder, é como “empurrar a sujeira para debaixo do tapete” para continuar na afirmativa que “no meu tempo não existia essa coisa de gay, bruxo, trans, etc.”. Notem que esse falacioso discurso perpetuado por uma maioria conservadora e saudosista é alienante, pois se desconsidera que na verdade homossexuais, bruxos, trans e toda a diversidade sempre existiram, porém silenciada. Portanto, aceitar os “armários” que nos é imposto todos os dias é na verdade continuarmos a reproduzir a opressão e negligenciar os caminhos do respeito à diversidade humana.

Porém a mesma sociedade contemporânea que nos incita a movimentos, justos é claro, de empoderamento é a mesma que no núcleo familiar burguês oprime a garota que se assume lésbica, o garoto de berço evangélico que se identifica com a Wicca, a trans que é forçada a ser quem não é; a mesma que no mundo profissional nega emprego pela cor da pele de alguém, pelo seu cabelo. E sair do “armário das vassouras” representa um risco que inclui diversos fatores como: a perda da aceitação familiar e em casos mais extremos a expulsão da casa dos pais, o preconceito social, a perda de oportunidades de emprego, etc. E por essa razão não basta sair do “armário das vassouras” e pronto tudo está resolvido. Sair do armário como bruxos exige de nós um movimento reflexivo que vai muito além de um mero pentagrama no pescoço.

O dilema do armário das vassouras acompanha a Bruxaria desde o seu renascimento com Gerald B. Gardner, que ao descobrir a Arte precisou ocultá-la por uma questão de preservação de seus membros. Quando o último grilhão foi quebrado, através da queda da última lei inglesa que criminalizava a prática da bruxaria, Gardner, mesmo a contra gosto dos seus, decidiu que havia chegado o momento de não apenas sair do armário das vassouras, mas queimá-lo de uma vez por todas. E assim nasceu todo o movimento que vivemos hoje.

Sair do armário das vassouras é por consequência uma atitude de coragem e reverência ancestral, já que se assumir bruxa é resgatar a memória de diversas vítimas da intolerância, tornando-as por esse ato um símbolo vivo de resistência. Mas para que verdadeiramente ocorra uma resistência significativa é preciso antes fortalecer o indivíduo que decide tomar ela para si, posto que a não compreensão do que se pratica pode comprometer não só o sujeito que se denomina bruxa ou bruxo, mas toda a comunidade a quem ele está se referindo por sua imagem. Por essa razão, assumir-se bruxa não tem relação com a moda que se veste, mas com a atitude que se toma. A maioria das bruxas reais se parece menos com o estereótipo hollywoodiano do que se pensa, e isso tem uma razão de ser: a Bruxaria não é algo que se faz, e sim algo que se é!

Não existem sete passos para você sair do armário das vassouras, não há uma previsão de como seu amigo, chefe ou familiar irá reagir a sua revelação, cada caso é único. Já conheci pessoas que quando me assumia bruxo achavam “super legal” e pelas costas reforçavam o que aprenderam historicamente sobre bruxas: adoradoras de satã. E pessoas que pela sua fervorosa fé considerei: “vão me colocar na fogueira”, quando na verdade foram as que mais se abriram para a alteridade.

O melhor caminho para sair do armário das vassouras é fazendo uma leitura minuciosa do terreno, permitindo com que o tema “Bruxaria” apareça como debate amistoso sem causa de sujeito (você), isso pode lhe dar uma lente por onde começar. Também é preciso considerar que: se você está apenas explorando esse caminho não é justificável que você se denomine bruxa ou bruxo, ser um de nós é algo que leva tempo e começa antes de qualquer coisa com uma desconstrução do que você pensa que de fato é isso, ou seja, primeiro é preciso ser bruxo para si, e só posteriormente emerge a camada social do que é ser um. É preciso refletir também que se assumir bruxo pode requerer um contexto apropriado e lógico, ou seja, há ambientes do cotidiano que não fazem o menor sentido de atitudes afirmativas e de empoderamento, como: uma entrevista de emprego, até pelo fato de que se um entrevistador pergunta sua religião e fundamenta sua não admissão por isso, é uma falta ética do mesmo, devendo ser punida legalmente. Outra questão é ser dependente materialmente de seus pais que obviamente são contrários a sua fé, ou seja, assumir-se bruxo apenas para bater de frente pode criar mais desrespeito de ambos os lados do que respeito, e talvez o caminho mais brando para essa decisão exige antes sua emancipação econômica.

Sair do armário das vassouras é ainda um risco, e pode vir a se tornar um risco maior se continuar essa ascensão fascista que está tomando o nosso país, porém, é necessário continuar fazendo linha de resistência. Assumir-se bruxo, gay, trans, etc., continuará sendo um risco até que a sociedade como um todo mude, mas não podemos também esperar essa mudança sem atitudes que intentem conscientemente a essa transformação. E para isso aposte sempre no diálogo, sobretudo aquele que nasce da coerência e do respeito. Desconstruímos nossos “inquisidores” pelo caminho da sabedoria, ferramenta essa que os ignorantes desconhecem, e se conhecessem deixavam de ser intolerantes! A empatia é uma dialética que precisa ser cultivada.

Por: Sérgio Lourenço