domingo, 29 de julho de 2018

Bruxaria e Sexo - Uma ótica feminina


Para nós bruxas, qualquer pessoa que tenha problema com sua sexualidade provavelmente terá problemas com a prática da magia em si. Afinal, em grande parte, a magia envolve o poder sexual – que é apenas outra maneira de tratar a energia encontrada na sexualidade.

Grande parte do desenvolvimento acerca da sexualidade humana, assim como sua repressão, ainda está sob uma ótica patriarcal, pois continua sendo ensinado a cada pessoa do ocidente que o sexo foi feito somente para procriação. Nesta perspectiva, qualquer prazer vindo dele corresponde a uma queda imediata da condição divina na humanidade. Porém, as bruxas não fazem sexo só para procriação, para elas a sexualidade é um encontro com o êxtase divino.

As mulheres têm muito a nos ensinar sobre como fazer sexo de verdade. Você já se perguntou se faz sexo de verdade?

Na época das fogueiras foi publicado um livro chamado Malleus Malleficarum. Um livro hediondo proposto pelo clero cristão para caçar e perseguir as bruxas, as mulheres, onde descrevia de forma muito fantasiosa desejos sexuais escondidos nos próprios inquisidores, onde a mulher, como algoz, representava a perpetuadora desses desejos. Ainda hoje, no oriente médio, por exemplo, a mulher representa um perigo para ascensão divina do homem. Isso acontece devido ao medo incutido a respeito dela e por ser mitologicamente relacionada com a corrupção do homem na gênese da mitologia judaico-cristã por exemplo. Existe toda uma forma de depreciação do orgasmo feminino devido a essa corrupção cultural, inserida por esse berço patriarcal. 

Discutir sexualidade significa tratar de algo que vai muito além do ato sexual. Na verdade, diz respeito a esses laços que nos alimentam diariamente e à forma como nos comportamos. Ao passo que o homem vê seu pênis como um acessório, uma parte extra de si, até mesmo dando nome a seu “instrumento”, a mulher vê seu corpo inteiro como sexual, seus seios, vagina, quadril, lábios, tudo é sexual e sensual na mulher – e muitas mulhe­res sabem que podem “gozar” muito além de seu clitóris!

A Bruxaria, portanto, trata da sexualidade sob uma ótica feminina. Isto é, feiticeiras não fazem sexo com os órgãos genitais, a vagina é secundária para quem sabe que o sexo é o uso de todos os cinco sentidos e um sexto, que envolve uma ligação psíquica com o parceiro, isso determina que bruxas sejam conscientes de seus próprios corpos, pois fazer sexo com os sentidos, e não somente com as genitálias, exige de nós uma programação neurológica diferente, que para a alegria de todos nós é inerente a natureza humana.

Quando a cultura vigente estabeleceu o falo ereto como o centro do universo, e não somente uma parte dele, é que também restringiram-se todas as possibilidades da se­xualidade humana na integralidade corporal. Cada vez mais se estabeleceram drogas modernas para que os homens de mais idade tenham um bom desempenho sexual a partir de seu pênis duro e rígido.

Tive grande sorte, de verdade, crescendo cercado de mulheres, desde a minha famí­lia, com irmãs e só eu de garoto. Assim, desde a infância e até mesmo na fase adulta em que estou agora, foram as mulheres minhas melhores amigas e professoras. Os homens, seja na cama ou na amizade, sempre deixaram a desejar quanto a me ensinar sobre o sexo e o divino.

Toda vez que minhas amigas conversam comigo, abrem-se intimamente revelando coi­sas da cama com seus namorados ou ficantes. Sempre existe a mesma queixa: a de que os homens não dão prazer a elas, com exceção de alguns poucos, raros até. Para elas, e para mim também, todos só estão interessados em dar prazer a si mesmos. Como se a vagina fosse apenas um local para masturbar seu pênis. Acredito que a explicação para isso esteja no fato de que a maioria dos adolescentes homens jamais terá, até a idade adulta (e mesmo após ela), uma entrega sincera ao corpo do outro. Assim, não saberão sequer tocar o seu próprio, crescerão masturbando-se, seja consigo mesmo ou com o orifício alheio.

Na antiguidade existia um ritual chamado Hiero Gamos (ou “O Casamento Sagrado”), que per­corria os templos antigos, numa época em que o homem já sabia seu papel na fecunda­ção do útero da mulher. Esse casamento sagrado não era como a noção de casamento que temos hoje, onde pessoas unidas socialmente desempenham então uma um papel no ordenamento social, mas era um encontro sexual do Lingam e a Yoni, ou do Céu com a Terra, a Semente com o Solo Arado, a Lâmina com o Cálice. Os Deuses antigos praticavam frequentemente o Hiero Gamos com suas contrapartes, de modo que isso representava a união de ambas as naturezas divinas, feminino e masculino, separadas no primeiro ato da criação e agora unidas novamente pelo sexo, retornando ao ser original.

Todos que já fizeram sexo com amor, independente da orientação sexual, sabem como é esse sentimento numinoso de desvanecimento do eu para a integração de um nós, tornando-nos apenas um que são dois. Eis onde reside o poder do sexo, o poder de tor­nar Dois em Um. E isso as feiticeiras modernas celebram dentro círculo mágicko, com uma cerimônia simbólica, antes praticada literalmente pelas velhas escolas da Arte, chamada de O Grande Rito. Neste rito toma-se consciência de que o encontro com o outro, por meio do sexo, é apenas a maneira mais divina de sermos uno conosco mesmos. Pois se prestarmos atenção, principalmente ao que se refere aos relacionamentos, em geral não escolhemos alguém somente por sua aparência física, mas por aquilo que essa pessoa também representa em contraparte e companheirismo para nós.

Vale ressaltar que, quando tratamos do sexo como um encontro de gêneros opostos, isso não deve ser interpretado ao pé da letra, pois poderíamos estar excluindo a homossexualidade e a bissexualidade como formas lícitas e sagradas de amar – e absolutamente não é disso que se trata. Assim, equilíbrio dos gêneros sexuais pelo ato sexual deve ser encarado internamente, como uma capacidade humana de equilibrar e interagir com as forças opostas existentes em nós, permitindo que essas forças gerem “filhos”, pontes para um entendimento transcendental e ampliado de nossa própria natureza, porque também podemos fazer amor conosco mesmos.

O ato sexual integrativo dos gêneros, masculino e feminino, anima e animus, luz e sombra, consciente e inconsciente, divino e mundano, gera em nós a capacidade da totalidade que de outro modo seria impossível.

Extraído e adaptado do meu livro "Onde Moram as Bruxas?" - Sérgio Lourenço

Bibliografia Consultada

CAMPBELL, Joseph. Mitos de Luz. São Paulo: Madras, 2006.
CAMPBELL, J. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 2007
HOLLIS, James. Mitologemas: encarnações do mundo invisível. São Paulo: Paulus, 2005.
PAIVA, Vera. Evas, Marias, Liliths... as voltas do feminino. São Paulo: Brasiliense, 1990.
STARHAWK. A dança cósmica das feiticeiras: guia de rituais para celebrar a Deusa. Rio de Janeiro: Nova Era, 2007.